Crônica para Raul Cortez

Cremado, a pedido, Raul Cortez parte para uma outra dimensão deixando um legado de talento.

O olhar inteligente, ar muitas vezes irônico, uma timidez velada-ém junho de 2005, quando desfilou no São paulo weeck Fashion, dava para ver o rubor crescendo, do pescoço ao rosto, enquanto desfilava, a a natural vaidade de todo artista, sendo recompensada, gratificada depois por cerca de dez minutos de aplausos.

Eu o vi, quando repórter, e o entrevistei, em um desfile de modas, da Fênit, chamado \"Momento 68, em Juiz de Fora, mas então, não estava a desfilar, mas a declamar poemas, acompanhado por Walmor Chagas, este com a basta e prateada cabeleira a brilhar e Raul, precocemente calvo. Ambos com as treinadas e empostadas vozes de ator, a tocar minha alma jovem. Eu fôra lá fazer uma reportagem (o desfile acontecia no Sírio e Libanês de Juiz de Fora, o que narro em \"Nas Velas do Tempo: memórias de Uma repórter na Ditadura\", feito e-book pelo webmaster Lourivaldo Perez Baçan. Nesse show, cantavam Caetano e Gil, bem jovens, Eliana Pittman.

Sempre me impressionou a maneira de ser desse artista.

Sua filha, Ligia Cortez, deu-lhe a alegria de ser atriz. Lembro sua capacidade de rejuvenescer com a paternidade temporã quando Maria nasceu, os sorrisos que as objetivas captavam quando estava com a garotinha...

Esse paulistano que nos deixou com mais de sete décadas de existir com talento e arte, transitou pelo teatro, Cinema e Tv. Na telinha, \"Água Viva foi de sucesso pleno, colocada em livro com fotografias e tudo... Ator não tem idade de alma, tem identidade de alma. Mas, mais velho, ao interpretar o velho Berdinazzi (em \"O rei do gado\"), fez-se ainda mais entrado em faixa etária, patriarca italiano, ora comovia, ora irava o telespectador, ora levava às gargalhadas, com sua perfeita interpretação do turrão, personagem ao qual depois é, pelo autor, traído pelo amor tardio - e se adoça, numa cena de amor entre idosos, memorável.

Sem medo de ousar, Raul fez, em \"Os Monstros\" (1969) um travesti e foi o primeiro aor masculinoa aparecer nu (em o Balcão), no ano seguinte.
Estudantes, foi levado por outro grande ator, Ítalo Rossi, ao teatro paulista do Estudante.Seu pai jamais assitiu a uma peça sua, ao que Raul Christiano Machado Cortez teria respondido com aquela sua ironia fina, que o genitor não sabia o que estava perdendo.essa autoestima, fruto de uma cuidadosa percepção da opinião pública e do perfeccionismo, não relevava que quase a carreira foi por água a baixo, quando precisou fazer um duo com a talentosa Cleyde Yáconis e ficou... mudo, por conta do nervosismo. Somente depois de \"A Morte do caixeiro Viajante\" (a conhecida peça escrita em 1949, por Arthur Miller, que já teve inúmeras montagens), representado \"Biff\", no lupar de Leonardo Villar, é que voltou a conquistar um lugar.

Raul Cortez, apesar de alto e elegante, não tinha um rosto de traços marcantes, e sim clássico, mas de tal forma incorporava seu protagonismo, que ganhava facies vários, ao olhar de quem o assistia.

Fez um soberbo Rei Lear, sob a direção de Ron Daniels. Lear era um personagem que estava em sua meta e de tal forma se integra, que Daniels comenta a interpretação de Raul Cortez, ao dizer o quanto houve momentos em que Raul \"deixa de ser ator e passa relmente a ser o personagem\". Na época da Ditadura, Raul, com outros aritstas, participou das frentes de resistência. A Editora Civilazação Brasileira possui registros da palavrarma desses brasileiros corajosos, em busca da legitimidade de sua liberdade de expressão. Com ele, outras vozes igualmente fortes e verdadeiras: Raul Cortez, Eva Wilma, Walter Portella, Cacá Carvalho, entre outros. Os chamados \"Cadernos da Civilação Brasileira\" enfrentavam a censura, transgrediam quando publicavam, em papel de boa qualidade, as fotos dos que usavam o que eu chamava e chamo de palavrarma. Mas não arma criminosa, e sim, a que defende, a que desfralda bandeiras, a que voa e atinge quem não é tão ousado ou estava amordaçado, impossibilitado em porões militares ou calados para sempre. As cabeças dos artistas e dos intelectuais, falaram pelos brasieliros. Raul, um deles, o que hoje os jovens talvez não saibam. Aquele que deveria ser advogado, mas foi atraído pelo canto de sereia boa, das artes Cênicas. E tornou-se um encantador, ele próprio...

Muitos prêmios, como o Mambembe, o Molipere, o APCA... Muitas entrevistas e uma vida plena de dignidade, coragem, telento.

Aplausos para o que se vai. O que nos deixa, tendo marcado, para sempre, seu lugar, mas na lembrança, nos registros, pela personalidade e pela capacidade de interpretar, um dom que aproveitou até a última gota...

Clevane Pessoa de Araújo Lopes

Belo Horizonte, 19/07/2006

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