CARTA AO SR. DIRETOR

Rio, sétimo setembrino de 2006.

O medo por trás do analfabetismo zero
é a mudança de cor que traria aos colarinhos

          Dada a manhã de suor de frio, convoco meu amiguinho de pelos de algodão, o Supergafanhoto, a levar esses grãos-de-letra ao Sr. Diretor. Tomara o mais breve. Tomara o encontre no chá do centro-oeste sentado em Plutão.
          Menino, ainda, não podia mesmo entender os recados das finas folhas de Maracanã, no Pará. Até nove anos é uma vida de formiga prematura. Mal sabemos, nessa idade, diferenciar a glicose do esterco de minhoca no chão. Além disso, qualquer átomo doce de Bohr sobre as costas aproxima-se do equilibrar-se da Torre de Piza.
          Não demorou e a puberdade apontava-me o educar: ato de amor. O mergulho era inevitável. A alma estava tomada naquela direção. Alma satisfeita por isto.
          A insatisfação de setembro é outra. Porque durante bons anos de práxis educativa a crianças, jovens e adultos; a cegos e visionários, acrobatas e malabaristas; a criaturas do bem e do mal; a brancos, pretos, amarelos, pardos, índios, mamelucos, caboclos; ora, ensinar é aprender. Quantos debates travados em sala de aula, e teu nome Sr. Diretor era citado como fazedor de milagres. O homem que lavaria os pés da cidade com o sal de Netuno: força íntima de transformação social. Por exemplo, quantas vezes, durante a revolucionária leitura, nada mais nada menos, de Paulo Freire, te vi grafado como grito do possível grito: esperança popular que, a meu ver, ficou morta nas páginas pedagógicas paulofrerianas. Com justiça, Paulo Freire não fora enganado. O educador é sempre um fio condutor de esperança.
          Alerto: um revolucionário de origem pobre, candidato ao poder, tem vantagem em persuadir uma população de maioria pobre. Além dos motivos a olhos vistos e imediatos, há aqueles mais subjetivos: acreditar que candidato-de-origem-pobre pensará igual ao eleitor-pobre. Isto é, o eleitor-pobre acredita que o candidato-de-origem-pobre, este por sua origem, fará algo substancial e efetivo pelo pobre, por ter sido um dia igual a ele. Um e tão-somente um dia. Não se pode esquecer de que, nesse caso, o Sr. Diretor é um ex-pobre.
          Válida é, porém, a ressalva: candidatos ricos não estão excluídos de voto. Não é isso. Também não estou dizendo que só devemos votar em pobres. Conheço gente rica e gente pobre que não valem um espirro de gás. Conheço gente rica e gente pobre de corações fina matéria. Cabe a investigação responsável de cada eleitor.
          O que quero dizer, na verdade, é que, do ponto de vista educacional, é frustrante termos um candidato das linhas vermelhas da miséria, do discurso abrasivo-libertador, do discurso libertário, do discurso semente igualitária e sociológica, e, principalmente, do discurso caçador-apontador de falcatruas e vampiros, do discurso esfolador delas e deles a todo custo...
          Sr. Diretor, volto a dizer, todos estes discursos são frustrantes e decepcionantes e inconcebíveis e inaceitáveis e intragáveis e insustentáveis e inexeqüíveis e repulsivos e repugnantes e intoleráveis e, sobremodo, etceteravelmente reprováveis ao se resumirem, após quatro anos, num só: no discurso do ser-antes-dominado-agora-dominador-do-não-sei-não-vi-não-era-comigo. E não se engane em pensar que eu tenho memória curta.

          Primeiro de outubro estarei lá.
          Minha bandeira será renovada.

          Como disse o poeta Waldo Emerson:
          “Melhor acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão.”

          Em nosso caso, acenderei uma lamparina.
          O combustível que a alimentará é o óleo de minha nova esperança.

Ao Sr. Diretor,
respeitosamente,

Merivaldo Pinheiro

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