Manoel de Barros

“Uma hora
uma folha ao vento
em cada palpitação
uma busca.”

(Carmen Presotto, A Rosa)

          Digo algumas palavras de encantamento. Manoel de Barros aniversaria no dia 19 de dezembro, completando 91 anos. Parabéns!
          Peço licença para homenagear o grande mestre, nessa data tão especial. Peço licença, sim, porque sou uma mera amante da poesia e, entre os meus escritores, Manoel de Barros é um dos preferidos. E em tudo o que se escrever sobre ele, estaremos nos repetindo, mas a repetição sempre será permitida por sua grandeza pessoal e pela grandiosidade da sua obra. É um prazer poder reler, rever e reviver o poeta dos “desacontecimentos”, do “poeta do pantanal”, do “lírico da ecologia”, do “virtuoso do realismo mágico”, “o grande poeta de pequenas coisas”. O que me permite repassar alguns fatos significativos da sua vida.

“...

Escrevo histórias
recontadas em outros dias
de mesmas palavras.”

(Pedro Du Bois, Escrever)

          Como diz Orides Fontela, em Teia: “a luz está em nós: iluminamos.” – podemos dizer que a luz está em Manoel de Barros: iluminando-nos.
          Resumo a seguir textos de diversos autores, sobre o poeta e sua obra.
          Fabrício Carpinejar, em “Manoel de Barros: poesia para reciclar ”, dezembro de 2006, conta que o poeta está casado há 58 anos com Stella, seu grande amor. Ela é a primeira e única leitora de seus originais. É bem crítica. Se ela não gosta, diz: “Sobe e vai trabalhar mais”. Ele só dá por terminado o trabalho quando ela define que está bom, pois, conhece o seu estilo.
          Manoel de Barros editava as suas obras em tiragens artesanais e de escassa circulação. Teve o reconhecimento na década de 80, por críticos e personalidades, como o dicionarista Antônio Houaiss, o escritor Millôr Fernandes e o editor Ênio Silveira.
          Poeta do simples e da delicadeza, adota a autenticidade dos defeitos. Tem estima pelas coisas e homens jogados fora pela sociedade. Seu universo é do cisco, dos gravetos, dos “inutensílios” e dos “nadifúndios”. O escritor atua no espaço “faz de conta”. Interessa-se pelos hábitos das lagartixas, lesmas e animais rastejantes. O poeta faz brinquedos verbais com osso de arara, canzil de carretas, potes furados, sabugos. A singularidade de sua poética reside em combinar a aguda percepção urbana com um repertório primitivo e rural. Para Barros, o que é descartado é jogado dentro do poema. E afirma que o verdadeiro conhecimento está na leitura do mundo.
          “Poesia é voar fora de casa” (O Livro das Ignoranças).
          O editor Ênio Silveira, no prefácio do “Livro das Ignoranças “, mostra como o poeta nos toca pela magia dos seus versos que nos leva a comparar na tentativa de defini-lo como: “grande poeta de pequenas coisas”, “o lírico da ecologia”, “poeta do pantanal”, “o virtuoso do realismo mágico...”. Deixamo-nos envolver pela sua poesia, em que nos encantamos, pela sua constante redescoberta das palavras.
          Adélia Menegazzo, sobre “Concerto a Céu Aberto ”, aponta que a leitura de seus poemas vem preencher os vazios e descobrir que o poeta entrega ao leitor um concerto de sons... audíveis apenas no silêncio entre uns e outros. Porque, antes de tudo, MÚSICA! Cada verso seduz pelo desvio, pelas dissonâncias e revela a revolução das palavras. “Do canto das aves está posto o concerto em pauta” (Concerto a Céu Aberto ).
          Paulinho Assunção, sobre “ Poemas Rupestres ”, apresenta este menino que “pegou um olhar de pássaro” e que “contraiu visão fontana”, este menino, sábio dos “desacontecimentos”, este é um menino-manoel. É um menino “com olhar – furado – das nascentes”, que gosta de “atrelar” palavras de rebanhos diferentes, com o intuito de “causar distúrbios no idioma...”. É preciso dizer: todos nós nos desabrimos em outras pessoas diante da sua poesia, Manoel.
          Adalberto Müller Júnior, a respeito de “Matéria e Poesia ”, traz que a originalidade do poeta consiste em elaborar liricamente, com as coisas menores, verdadeiras relíquias de linguagem. Manoel de Barros é capaz de transformar a matéria mais desimportante em poesia.
          E, Pedro Du Bois, em “As Pessoas Nominadas ”, de 2005, presta homenagem ao poeta:

Palavras

Um, santo de barro
outro, Manoel de Barros
de comum,
andor
ardor
com que santificam
palavras
ditas
escritas
jogadas ao vento
que as reproduz.

          Não poderia deixar de expressar a minha gratidão pela sua existência. Manoel de Barros é uma palpitação nas nossas vidas. O seu conhecimento vem pelos sentidos. Ele descreve os sons, dando-nos condições de, ao lê-lo, poder ao mesmo tempo ouvi-lo e senti-lo. O poeta humaniza as coisas, o tempo e o vento. E ele gosta das músicas de Chico Buarque e de Paulinho da Viola!
          Ao completar 90 anos, recebeu o prêmio Nestlé de literatura, pelo livro “Poemas Rupestres ”. Também conquistou outros dois prêmios: Jabuti e da Associação Paulista dos Críticos de Artes. Mas, o seu maior prêmio é ter a sua obra distribuída em todo o país. Manoel de Barros se considera um “songo”, como fez constar em seu poema inédito de mesmo nome:

“Aquele homem falava com as árvores e com as águas
ao jeito que namorasse

...

Dizia que era abençoado pelas rãs e pelos
pássaros
A gente acreditava por alto
Assistira certa vez um caracol vegetar-se
na pedra

...

Era muito encontrável isso naquele tempo.
Até pedra criava rabo!
A natureza era inocente.”

          Discordo quando o poeta, em seu auto-retrato falado, em 1994, disse: “estou na categoria de sofrer do moral, porque só faço coisas inúteis...”. Prefiro quando ele diz que a “Poesia tem que ter palavras, uma feira de idéias.”
          Querido Poeta, feliz aniversário!!

Tânia Du Bois
Itapema, SC, 17.12.2007

« Voltar