O inferno é este: ficar sozinho com nossos demônios. (Enfim, em paz Rodrigo...) (***)

E quem vive dos demônios, ainda que grite por misericórdia, só tem em si a busca do seu alívio...

Sinto imensamente por Rodrigo de Souza Leão e sei, sei o que é viver de demônios. Não sou diagnosticado esquizofrênico. Mas vivo no inferno, escapando de diagnósticos e internações. Fugindo da vida vegetal do Rispiridon. Um foragido das clínicas ou, por que não, dos manicômios. Manicômios, depósitos humanos, sim! Só quem viu para saber...

Poucas pessoas presenciaram meus surtos psicóticos. Minha ex-namorada, dentro da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), certa vez, quando com meus demônios gritando em meu ouvido, cobrando-me atitudes e recriminando minhas falhas - talvez seja este o motivo do destino tê-la poupado de me ver "louco", perdido em mim, talvez seja este o motivo do destino de ter poupado meus falecidos pais de me ver surtando e o desespero de não saber o que fazer - vendo caranguejos multicoloridos, sentindo cheiro de urina e sangue em meus dias, sentindo insetos pousando em meu rosto, sofrendo com os olhares, sendo agressivo com muitos na rua, lacerando meu corpo a me castigar, punir meus atos, viu o transtorno para que tudo ao redor se calasse. Carrego as cicatrizes no pulso e no antebraço, os dedos trincados por esmurrar paredes. Não me contento disso...

Há dias que tenho medo de sair de casa, tranco as portas do meu quarto e de casa, fecho janelas, torneiras....Há dias em que tenho medo de entrar em sala de aula e quando entro, entro também numa paranóia de estar me urinando, de pessoas que apontam, sem piedade, meus erros. No entanto, há dias em que quero enfrentar o mundo e dizer "foda-se". Dias em que não há nada que possa me freiar. Sou eu e o mundo...

Não sou esquizofrênico. Mas no regime semi-aberto do Caps convivi com muitos. Eu vivia da "alegria em excesso", do fazer coisas que não me orgulho hoje, mas estes, os esquizofênicos eram em seus mundos reclusos. O olhar distante como se estivessem morrendo em seus infernos contrastava e muito aos que por períodos vivem de demônios. Como disse, não sou esquizofrênico. Sou maníaco depressivo, diagnosticado e não tratado. Não tratado porque não quero, porque acredito que posso controlar e controlá-los, porque não quero carregar mais um preconceito.. Ora me afasto do mundo e de todos, como fez o Rodrigo, afasto-me das pessoas que amo e me perseguem.

Hoje escondo ao máximo meus demônios, as vozes... Finjo para o mundo que este meu mundo não existe. Mas existe e somente quem enfrenta o inferno sabe o quão terrível é. Não sou tão corajoso quanto o Rodrigo para admitir que há algo de errado. Deus talvez tenha me poupado de intensos períodos de psicose e me entregado os poucos, em doses homeopáticas de alucinação e delírio - já me imaginei Garcia Lorca.  Eis o porquê de certa vez ter enfrentado o professor de um cursinho ou num concurso público ter quase destruído uma sala de aula: os demônios... Às vezes eles fazem com que tiremos as calças em público. Às vezes estes mesmos demônios nos dão a soberba do ridículo e da extravagância, dão-nos a humilhação de nossos eus que tentamos procurar no suicídio um zero para tanta inquietação.
Eu ainda tenho a expansão de minha alegria, a coragem de enfrentar a morte de peito aberto, sem medo de ser feliz. Minto, pelo contrário. Com muito medo, medo de viver... Neste ponto o Rodrigo é muito mais corajoso que eu e aqui, aqui eu me calo para prestar esta homenagem.

É certo, ele enfrentou seus demônios e venceu.

Diego Ramires

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N.E.: Texto escrito após leitura do artigo "Vivo numa bomba-relógio circular", de Márcia Vieira, sobre Rodrigo de Souza Leão, publicado no Jornal Estado de SP, postado em 11 de julho de 2009, on line na íntegra em: http://www.estadao.com.br/suplementos/not_sup401498,0.htm

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