A  ARTE E OS DRAMAS HUMANOS

         Ao ver estampadas nas primeiras páginas dos jornais de todo o mundo, na internet e na televisão, fotos de cenas cruentas do confronto envolvendo palestinos e israelenses, na Faixa de Gaza, veio-me à mente um quadro de Pablo Picasso, Guernica - um grito de horror do pintor espanhol contra a guerra, uma peça de intenso dramatismo, tornando-se o símbolo da barbárie militar que destruiu a Espanha. Nessa obra, o pintor, em preto e branco, conseguiu expressar o caos provocado pela guerra, que custou a vida de mais de quinhentas mil pessoas.
         Desde os primórdios até os dias de hoje, o espírito bélico de parte da humanidade não se arrefeceu e continua se destruindo, se eliminando, se torturando e se superando a cada confronto e contando, desde então, os seus feridos e seus cadáveres, principalmente as crianças que, na guerra, são maduras feridas, estilhaços da dor que incomoda e comove.
         Também por isso, não há como ignorar o papel do artista em todas as modalidades e possibilidades da arte que, em todos os tempos, fotografaram e retrataram no papel, com o cinzel, nos palcos e nos picadeiros, nas telas pequenas e grandes e insurgiu nas gargantas revoltadas contra o que se revela como sendo o extermínio do homem pelo homem, uma supremacia de alguns sobre a minoria.
         Não poucas vezes, talvez por um hábito preconceituoso, referiram-se ao artista como alguém “desligado”, alienado e afins, desconhecendo que o verdadeiro artista está sempre engajado em seu tempo, envolvido com as questões pertinentes à coletividade de maneira geral; quase funcionando como um fiel da balança, ou um sinal de estrada e não alguém à margem do mundo ou da vida. O que de verdade existe em que pese às diversidades de comportamentos e os diferentes estilos de vida, é o fato de estar ele “antenado” com seu tempo, ou projetando e conjeturando futuros, expressando o seu apreço ou sua indignação quanto a determinado fato.
         Não há como se representar a ilusão, sem estar com os pés fincados na realidade, vivenciando dramas e conquistas humanas, coletivos ou individuais, se transmutando num arauto de dores e alegrias. E não há como falar da realidade sem o arrefecimento benevolente da fantasia que equilibra os efeitos da dor ou da saudade.
         Ao largo de tudo isso é que, desde os primórdios da vida terrena, passando pela Idade Média, pelos tempos bíblicos, por holocaustos sangrentos e por descobertas científicas que alteraram o destino da humanidade e nos atuais dias, a humanidade tende a se estranhar por diversas questões e a querer resolver seus conflitos através do extermínio de seus opositores. Antes da evolução e proliferação dos meios de comunicação de massa e da simultaneidade da notícia, não acompanhávamos os fatos com as cores de hoje, numa participação quase que de corpo presente, o que por um lado é bom, por outro, muitas vezes é desgastante e cruel.
         Hoje não há como se dizer um arauto, um pregoeiro de seu tempo, com o coração nas nuvens, desconhecendo-se que praticar a arte é, antes de tudo, missão, embora o suporte seja a sensibilidade para comover, fazer rir ou chorar, extrapolando seus íntimos sentimentos, objetivando que outras pessoas se identifiquem e promovam sua catarse pessoal tão necessária para o respirar da alma, muitas vezes conturbada.
         Retomando a estupidez da guerra, embora versada nas previsões apocalípticas, continua assustando, horrorizando, isso sem mencionar as falanges urbanas nas disputas de territórios, das gangues oficiais e não oficiais à cata do dinheiro fácil e rápido e congêneres, bem como as contendas familiares e pessoais, que se tornam verdadeiras guerras psicológicas.
         A humanidade vitima a humanidade, desumanos massacram pessoas e a arte, seguindo seu curso, defendendo seu discurso de paz, incitando à prática do amor e da conciliação, segue em frente, como convém.
         Que nunca, sejam ou não artistas, nos deixemos de emocionar, de irar-se contra a injustiça social, contra a opressão que mata ou aleija e que submete inocentes e marginaliza os mais fracos.
         Que não se detenha a caneta, não se recolham o pincel e o cinzel, e que a voz execute as melhores partituras a favor do homem e da vida, revelando o quanto o ser humano pode ser nobre, criativo, misterioso, refletindo uma partícula ainda que ínfima do caráter de Deus.
         Voltando à Guernica, ainda é uma quimera pensar num mundo sem guerras e conflitos, pois a paz ainda é uma premissa, uma esperança no coração daqueles que acreditam que ainda existe um sonho para realizar, bem além deste horizonte que se descortina através do vidro da minha janela da sala de estar.

Dora Tavares

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