Durante a primeira semana de abril fomos todos surpreendidos pelas trágicas notícias do assassinato de crianças e adolescentes, num massacre sem precedentes na história do nosso país.
Da mesma forma, que fomos surpreendidos por notícias tão tristes, quase na mesma semana a rede globo de televisão mostrou-nos a outra face da tristeza, do desespero ou do desamparo. Onde milhões de brasileiros que precisam da rede pública de saúde não encontram a devida assistência. Na oportunidade o programa globo repórter mostrou-nos diversos casos de desrespeito à vida, a dor e ao sofrimento, num verdadeiro outro atentado, ou massacre à cidadania e a razão.
Choca-nos a imagem da escola do Realengo, onde crianças e adolescentes foram cruelmente assassinadas, assim, como choca-nos aquela outra imagem, onde um bebê agonizante no leito de um hospital, acompanhado de sua mãe em desalento, e de uma médica a observar sem ter condições de propiciar o devido atendimento, por falta de equipamentos médicos adequados.
Choca-nos a noção do desrespeito, do massacre das crianças assassinadas, assim como a mesma crueldade repete-se diariamente nas portas, ou melhor, nos corredores dos hospitais públicos brasileiros, onde centenas de pessoas são desatendidas, num flagrante de desrespeito à vida e de ofensa a dignidade humana.
Justo num momento onde a economia brasileira está numa crescente sem precedentes, onde a produção e os indicativos econômicos nos mostram os melhores índices alcançados, onde a carga tributária anualmente bate recordes de arrecadação. Num momento onde se constrói e se produz como nunca. Onde as obras públicas se multiplicam numa sucessão constante, mas nada disso foi capaz de sofrear a dor e o desânimo das mães que perderam seus filhos num atentado sem precedentes, tanto como daquela mãe apresentada no programa globo repórter a ver sua filhinha agonizante, morrer sem atendimento adequado.
Choca-nos a dor, assim como devia chocar-nos o desamor, o desamparo, o desrespeito.
Não sabemos o que é mais triste, o que é mais desumano, ou o que é mais trágico. Se a morte das crianças na escola do rio, ou se a morte prevista, programada de dezenas de outras crianças desassistidas nas emergências dos hospitais públicos. Se a dor das mães pela ação monstruosa de um assassino, ou se a dor das mães pela falta de ação do poder público. Se a dor da morte pela arma de fogo, ou se a dor da morte pela asfixia da saúde pública. Se a dor da dor pela lágrima da revolta, ou se a dor da dor pela ineficácia e ausência do direito público e constitucional de todo cidadão.
Não conseguimos mensurar qual dor é mais velada, qual dor é mais desamparada, qual Dor poderia e deveria ser evitada. Não conseguimos pensar quais das mortes são a mais cruel. Se a morte que não se espera, ou se a morte que se aguarda sentado, pela falta do leito, pela falta do equipamento, pela falta de humanidade.
Choca-nos as imagens. Padece-se do mesmo zelo o horror e a privação dos entes queridos, com a mesma feição de caríssimos que são aos seus familiares, assim como a dor não podem e não deve ser medida. Mas, eis que a noção exata é difícil de entender, tanto a loucura do gesto desumano, da escola de Realengo, como a situação dos hospitais públicos pelos Brasis a fora.
Não conseguimos entender, como uma presidenta que se condói publicamente, e chora pela perca implacável das crianças e adolescentes, não têm o mesmo sentimento de piedade perante a perca cruel daquele bebê agonizando num leito de hospital público desprovido dos equipamentos médicos necessários que poderiam salvá-lo.
Não sabemos o que é mais cruel, se a morte posta numa escola pública, ou se os maus tratos e abandono da saúde pública que vai ceifando a cada dia vidas e vidas que poderiam ser salvas.
Ficam as tristes imagens. Aquela da monstruosidade da escola do rio, e aquela outra desumana do bebê agonizante num leito de hospital. Ficam as tristes recordações das mães chorando pelas percas de seus filhos. Ficam as consciências com os seus pedestais perante o choro da dor e o choro da agonia, perante a dor do sofrimento e o pesar da letargia da saúde pública, perante a morte fatal indefesa, e perante a morte anunciada de todo dia, perante o ver, observar e nada fazer.
E ficamos todos nós, que somos brasileiros, sem entender. Estupefatos perante nossa incapacidade e imobilidade em situações tais de tamanha maldade. Ficamos assistindo a tudo e torcendo para nunca precisarmos estar com nossos filhos nessa mesma condição de dor e de agonia.
Fernando Mendes Rosendo