Rememória — Elogio a Itamar Franco
Morávamos em Juiz de Fora e eu trabalhava na hoje extinta Gazeta Comercial, quando Itamar Franco foi Prefeito, por duas vezes - de 1967 a 1971 e retornando em 1973.
Eu costumava acompanhar suas inaugurações e eventos, lembro-me de um março onde ele inaugurou o parque infantil dentro do Museu Mariano Procópio-e a criançada gritando seu nome — ele cortando a fita inaugural das expôs na Sociedade de Belas Artes Antonio Parreiras, onde eu estudara com o Presidente da mesma, o Pimpinela, revejo na lembrança dos sábados onde o encontrava na Rua Halfeld, um calçadão famoso em Juiz de Fora, ou em coquetel no Museu Mariano Procópio. Uma vez, chamou-me para agradecer um poema que lhe dedicara, em seu aniversário, fazendo uma alegoria com a palavra indígena “Ita”, que é pedra, para sinalizar sua fortaleza e mar, para a persistência contínua (“água mole em pedra dura”...).
Quando sua primeira filha nasceu, Georgiana, eu, com a irreverência dos jovens, mas afetuosamente, publiquei na primeira página, a manchete Itamar, é Mãe! Na Manchester Mineira ele era conhecido assim: o Itamar. E eu, quando ia com D. Didi sua prima, tomar chá ou café em casa de sua mãe, D. Itália, muito educada e fina, ouvia apenas “Itamarzinho” aqui, “Itamarzinho” ali. Dizem que ele não gostava de continuar sendo chamado publicamente pelo diminutivo. Ela era louca por ele, filho amoroso e que tantos orgulhos lhe deu — em pequeno, entregava as marmitas que ela fazia, viúva de um engenheiro. D. Itália era encantadora, com uma fitinha de cetim no cabelo, da cor da roupa, um lacinho de lado sobre a “brancabeleira”, prata pura. A irmã, pintora Matilde Franco, morava no Rio, artista plástica, eu me encontrava com ela em salões da SBAAP – e também referia-se ao mano como Itamarzinho. Tempos atrás, D. Didi mandou-me, de Campo Grande, onde mora atualmente, um livro-álbum com as telas da Matilde. E o mano renomado ali está retratado vários vezes, por seus pincéis.pelas fotos, vê-se o belo homem que foi na juventude. O famoso “topete” era um redemoinho de nascença, que à juventude, quando tinha muitos fios de cabelo, não se destacava. Os cartunistas aproveitaram esse traço e as charges sobre ele exploraram muito o famoso topete.
Sobre o amor imensurável às duas filhas, falou-me muitas vezes, talvez porque eu cursasse Psicologia. Era um pai extremado.
Certa feita, já nos anos 70, eu estava em frente ao palanque de um comício, onde ele, senador, já discursara pelo candidato a prefeito, seu correligionário. Calor e sol sobre a massa humana, quando vi um assessor ou correligionário chegar e dizer-me que ele mandara me chamar. Foi receber-me na lateral e quando agradeci, disse, “daqui de cima, você parecia uma garça ou um anjo, todas essas peninhas, não ia deixá-la ao sol”. É que eu vestia uma bata cujo decote era ornado de penas brancas. Ri e daí para frente, seguindo suas instruções, chegava para fazer alguma reportagem e já me apresentava na entrada do palanque. Se era galante, era também extremamente respeitoso.
Meu chefe de redação, Gilson Guilhon Loures, autor de um livro sobre ele, era amigo e fã de carteirinha de seu trabalho e chegava à redação com noticias frescas de seus projetos, atos e coragem.
Itamar Augusto Cautiero Franco sempre quis governar Minas Gerais, mas antes, foi ao topo, sendo o 37º presidente da República Federativa do Brasil. Substituindo Collor, depois do impeachment deste. Notável registrar que nada pode ser levantado contra ele.Em redações de jornal, ouve-se falar de tudo que há nos bastidores do Poder, mas nunca se falou absolutamente nada contra sua honradez. Mais tarde, realizou o sonho, foi Governador de Minas e era de uma mineiridade inconteste-tanto que chamaram seu Governo Federal de... de República do Pão de Queijo-acepipe mineiro que não faltava em suas reuniões com amigos, mesmo em Brasília. Sua naturalidade era baiana porque D. Itália deu-o à luz em um navio, nas costas baianas.
Certa feita, recebi um recado do amigo trovador Sinval Emílio da Cruz, dono da Folha Mineira, convocando-me a entrevistar Itamar — então senador da República — que queria dar uma entrevista sobre seu projeto de Denúncia Vazia, “mas só quer você, pois disse que voce é uma repórter que nunca distorceu o que ele diz”. Reservaram uma sala na Prefeitura, curiosamente com as paredes toda forradas de roxo, acho que veludo. Ficamos um bom tempo nesse colóquio. Não era época de Internet, de forma que não tenho mais a página com essa reportagem. O querido jornal fechou e soube, já morando fora, que ele comprara, para ajudar o velho amigo Theo Sobrinho, a Gazeta Comercial, que era o órgão oficial da Prefeitura. Esta, já fora de moda, pois enquanto os Diários Associados estavam na época da rotatórias, ainda imprimíamos tudo com linotipos, as imagens eram obtidas através de clichês. No entanto, o tradicional jornal era ao órgão oficial da Prefeitura.
Lembro-me que, na biblioteca do Parque Municipal, ficavam suas grandes encadernações em capa dura .Qualquer dia, vou a Juiz de Fora fotografar digitalmente, essas preciosidades. Na verdade, eu tinha a coleção toda de meus anos de trabalho ali, mas uma enchente na Ilha do Amor — S.Luiz do Maranhão, nos Anos 80, onde morei, casada com o Engenheiro civil Eduardo Lopes da Silva, inundou a linda casa que alugáramos e os jornais colaram-se uns aos outros. Colocávamos no muro para secar, vinha mais chuva...
Universitários o adoravam.Ele fora estudante destacado na Escola de Engenharia, da UFJF, ia aos eventos dos DA, mantinha-se perto dos mais jovens.
O testemunho que quero dar, todavia, não é bem conhecido dos demais. Refere-se ao grande coração desse mineiro ilustre: eu lecionava no Grupo Escolar José Freire, no Bairro Industrial, que funcionava em uma casa de dois andares, um sobradinho velhíssimo. Estávamos dando aula e o reboco caía sobre a cabeça das crianças, da nossa, as "professorinhas". A Diretora, D. Hyrtes Felga, tentou paliativos: começamos a lecionar nos salões da paróquia e no Clube Industrial, as divisórias entre s classes, eram de pano, de forma que se uma professora chamasse um nome comum — Terezinha ou Aparecida, por exemplo — várias vozes respondiam, tínhamos de murmurar, para uma aula não se misturar com a da colega ao lado.
Então, fiz uma reportagem a respeito. Minha missão de jornalista...
Para minha surpresa, Itamar chamou-me para dizer que a Prefeitura mandaria para o grupo escolar, que era estadual, dois prédios pré fabricados. E o fez, nas férias. Lindas salas, onde jamais dei aula, porque naquele ano, D. Hyrtes colocou-me para desenhar provas escolares feitas no mimeográfo e manuscritas, na Diretoria. Tive outra surpresa: dois vereadores, na Câmara Municipal, fizeram um “Ato de Louvor” pela coragem que eu demonstrara. Coragem? Sim, pois estávamos em plena Ditadura Militar, toda eivada pela Censura, explicou-me o grande amigo e mentor jornalista Paulo Lenz, irmão do Sr. Theo Sobrinho. ”Você ousou denunciar o Estado, tenha cuidado“, disse-me ele. Mas eu só pensara no bem estar das crianças, não estava fazendo oposição alguma, no verdadeiro sentido da época, queria apenas melhorar o status físico-espacial da escola. Era uma atitude jornalística e assertiva, também por amor ao magistério. Jamais esqueci isso, pois, apesar de merecer tanta atenção e respeito de Itamar, eu nada lhe pedira.
Noutra feita, eu estava no INAMPS, onde trabalhava no Setor de Estatística, quando a colega Madalena — que tinha diariamente uma terrível cefaléia de hora certa, no que era muito criticada porque ia para casa mais cedo, menos por mim, que cursando Psicologia, arvorava-me em querer conhecer melhor os seres humanos — pediu-me que saísse com ela porque iria conversar com Itamar, em sua firma de Engenharia. Ela era apaixonada por Cristo.Todos os meses eu desenhava um novo para ela, que colava a série dentro da porta do armário de seus jalecos brancos e cor de rosa – ela ia pedir-lhe material de construção;
Àquela época, compráramos, por sorteio de lotes, pela cooperativa dos funcionários, terrenos perto do aeroporto. Ela ali construía uma casa, mas queria uma capelinha pelo “seu” Jesus. Auxiliar de enfermagem, trabalhava na Dermatologia e andava com o dinheiro curto. Fui e ele, sorridente — estava em visita à cidade — prometeu mandar o material de presente. E o fez. Anos depois, recebi contristada a notícia de sua morte: a cefaléia era causada por um hemangioma, soube-se então.
Em outra ocasião, estávamos no Museu Mariano Procópio e ele ao lado do fiel escudeiro Guilhon Loures. Meu chefe de redação me chama e diz sorrindo :”Itamar disse aqui que você é uma borboletinha repórter, fica daqui para ali, borboleteando... Quando todos param e vão relaxar, você continua entrevistando, anotando”. Olhei para o Prefeito, meio sem jeito, pois era tímida. E surpreendi o político com o rosto rosado todo vermelho...
Gosto de lembrar as tantas reportagens feitas. Jamais ouvi nada contra sua honestidade. Mesmo os partidaristas contrários jamais o criticavam em tão importante aspectos. Então, não quero realçar aqui seu savoir-faire de engenheiro e político experiente que se foi. Mas esse seu caráter, que abraçava o “ser honesto”, algo que de que todos os seres humanos jamais deveriam abrir mão e que nele era natural, genuíno. O exemplo fica. Que muitos possam seguir-lhe as pegadas, num país onde as falcatruas se sucedem e não se passa um dia em que não tenhamos notícia de alguma desonestidade de políticos ou asseclas. Milhões de brasileiros e, entre eles, um homem se destaca por uma longa vida de brasileirismo, honradez, sobretudo, essa honestidade necessária e vital ao desenvolvimento de um país. Tenho orgulho em ter privado de sua confiança, nas entrevistas que me concedeu. E esperança de que as pessoas do Bem assim possam permanecer sem ceder às armadilhas do Poder Público.
Clevane Pessoa