DIVINO CARTOLA

Cartola morreu no dia 30 de novembro de 1980, oito dias antes de John Lennon ser assassinado em Nova York. A morte do ex-Beatle, para mim e para o mundo, foi marcante, assustadora, incomensurável.
Talvez por isso, nas minhas lembranças, na minha jovem cabeça, não tenha sido tão significativa a data da passagem do compositor carioca.
Naquela época, inclusive, eu ainda não havia descoberto a dimensão e a importância do sambista para a música popular brasileira. Para mim, Cartola era mais uma "invenção" da turma do Pasquim, muito embora nas jovens tardes de domingo que curtíamos no Pina, nos anos 70 e 80, Cartola fosse uma das ilustres figuras que desfilavam na vitrola da casa de Valmir Sá.
Mas, naquele tempo, interessava-me muito mais a revolução tropicalista de Caetano e Gil e as guitarras da Jovem Guarda, que ainda reverberavam. Essa junção modernista, esse prisma inusitado que se apresentava na MPB, impressionava-me muito mais do que a arte do sambista do Rio.
Cartola morreu aos 72 anos de idade. Foi velado na quadra da Estação Primeira de Mangueira, escola de samba da qual foi um dos fundadores, e sepultado no Cemitério do Caju, no dia 1º de dezembro. Na hora do seu funeral, Waldemiro, ritmista da Mangueira, marcou no seu bumbo o compasso para que a música As rosas não falam fosse cantada pela pequena multidão que acompanhava o enterro. Atendia-se, assim, ao seu último desejo, manifestado por ele à família uma semana antes de morrer.
Quando tempos depois refiz os meus conceitos sobre a música brasileira e passei a resgatar determinados valores do passado, as músicas de Cartola passaram a fazer parte das minhas preferências, impressionando-me sobretudo por suas qualidades musicais e poéticas, pela grande sensibilidade desse homem que, embora tivesse terminado apenas o curso primário, mostrava-se um compositor completo e um letrista inspirado.
Não foi à toa, portanto, que o crítico musical Lucio Rangel, com Cartola ainda vivo, tenha lhe dado o apelido de Divino Cartola.
Para Cartola, sem dúvida, eu também tiro o meu chapéu.

Clóvis Campêlo

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