A NOITE EM QUE CONHECI ALEIJADINHO

Antes de morar Maricá e de ter tantos animais (principalmente gatos), viajei muito pelo Brasil, a trabalho (congressos de literatura ou workshops de roteiro de novelas televisivas), ou mesmo a passeio. Muitas vezes me afastava das capitais para conhecer outras cidades. Em Pernambuco, porém, como adorava ficar entre Olinda e Recife o tempo todo, só fui a Caruaru (pela feira, fantástica!) e Primavera (ex-Caracituba) – uma cidade pequenina, mas conhecida pela sua cascata gigante, a Cachoeiro do Urubu, com seus 77 metros imponentes de queda d´água. Quando eu fui, era uma época de relativa seca, e por isso pude chegar até as pedras bem no alto da cachoeira, sentar-me lá e apreciá-la do alto de toda a sua exuberância. Linda, lindíssima. Adoro Pernambuco, se não fosse carioca, eu gostaria de ter nascido lá.

O fato é que sempre aprendo muito com estas viagens, e quase sempre de forma divertida. Por exemplo: entre Natal e Fortaleza, passei, no meio do nada, por uma casa tosca, bem rústica, com uma placa que me chamou a atenção: Galheria do Amor. Aquele h fez toda a diferença na paisagem: seria erro ou um motel que aceitava também casais homossexuais (discreta associação com a galhada dos veados ou outros tipos de chifres)?.. No entanto, uma das minhas maiores experiência de viagem em minha vida foi a que me ensinou a chorar.

Explico: aconteceu na década de 1980, e eu tinha acabado de participar de uma mesa de debates no Festival de Inverno de Ouro Preto. Sabendo disso e também da minha enorme vontade de conhecer as obras de Aleijadinho, meu amigo e escritor mineiro Sérgio Fantini resolveu proporcionar-me esta alegria, e foi buscar-me de carro, ele e a namorada, docemente me desviando da minha rota direta: Ouro Preto-Belo Horizonte. Tínhamos bastante tempo, meu voo saía quase na madrugada, então, maravilha. No entanto, aconteceram diversos imprevistos nesta viagem e acabamos chegando a Congonhas já de noitinha, bastante atrasados, fora totalmente do horário de visitação. Por sorte a namorada de Sérgio era guia de turismo e o guarda de plantão era seu conhecido. Explicada a situação e justificado o atraso por dois pneus furados, o guarda deixou-nos entrar: além da moça ser de confiança, pelo jeito não tínhamos cara de turistas excêntricos ou vândalos depredadores.

Naquele tempo – já fui muito boba – eu tinha o orgulho besta de não chorar, achava pieguice e fraqueza, e não me permitia a isso nem mesmo sozinha, trancada no meu quarto (“chorar na cama, que é lugar quente” não fazia o menor sentido para mim, porque cama era lugar de dormir, não de chorar...). No entanto, ao ver aquela grandiosidade (em todos os sentidos) dos profetas, que pareciam vivos, em um silêncio dos mais eloquentes – e a lua batendo na pedra sabão ainda aumentava a magia de todos eles –, diante daquela perfeição de detalhes feitos por uma pessoa deficiente, que, cheio de dores, no final esculpia com os cinzéis atados às suas mãos, fui tomada por uma fortíssima emoção e de repente desandei a chorar copiosamente, não conseguia parar e também não conseguia ir embora dali, estava como que imantada, hipnotizada por tanta beleza. Foi a primeira vez que chorei em público, e também foi a primeira vez (e quanto a isto espero veemente que seja a única) em que perdi um voo de avião...

Leila Míccolis

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