NOBEL DE LITERATURA 2016
(Deu a Doida na Academia)
Ao músico Bob Dylan foi outorgado o prêmio Nobel de Literatura de 2016 pela Academia Sueca, por haver criado “novas expressões poéticas dentro da grande tradição da música americana.”
Segundo Sara Danius, secretária-geral da Academia, ”se olharmos para trás, descobriremos Homero e Safo.que escreveram textos poéticos feitos para serem lidos com acompanhamento musical, da mesma maneira que Bob Dylan. Ainda lemos Homero e Safo e adoramos os dois. O mesmo acontece com Dylan”.
Na alegação da secretária-geral, Homero e Safo escreveram textos poéticos (muito embora não tenham escrito textos poéticos, mas poemas, poesia) para serem lidos com acompanhamento musical, o que não indica, como ela o supõe, que letra de música seja poesia apenas por ter acompanhamento musical, que não vem nem a ser música de letra.
A expressão “textos poéticos feitos para serem lidos com acompanhamento musical” foi colocada como justificativa de o prêmio Nobel de Literatura de 2016
ter sido atribuído a um músico, letrista e não a um poeta (ou escritor, como deveria).
Mesmo que aos finos ouvidos gregos a poesia fosse lida ou declamada com acompanhamento musical, tornando-a mais teatral e mais próxima do moderno conceito de obra de arte total,
prefiro degustá-la nua e crua, sem interferência de nenhuma outra arte que não ela própria, palavra na mais alta tensão, blowing in the wind, alone.
O equívoco de Sara Danius está em que Dylan não cria poemas para serem lidos ou declamados com acompanhamento musical à semelhança de Homero e Safo: Dylan cria letras que têm a música (a melodia) como seu fundamento indescartável.
Se “ainda lemos Homero e Safo e adoramos os dois”, mesmo sem acompanhamento musical, é porque Homero e Safo não escreveram letras, mas poemas, poesia.
A poesia reporta-se a si mesma, não a outra coisa além de si.
A letra reporta-se a outra coisa além de si, reporta-se à música, seu alicerce.
A música não precisa da letra. A letra é que precisa da música.
Apesar de perfeito, o casamento de ambas é sempre realizado com separação de bens imposta pela música.
Já que Sara Danius falou em Homero e Safo, convém lembrar que em grego, poesia significa fundação, fundação da Palavra, fundação do Homem, e nenhuma fundação digna deste nome pode encontrar-se em algo fora de si.
Letra de música é tanto poesia quanto melão é melancia.
A poesia é uma santa sobre o altar, solitária, altiva, majestosa, imperial, bastando-se a si própria, tornando esses seus atributos ainda mais definidos, no modernismo, com o advento do verso livre, sem a ditadura da métrica.
A letra é uma santa sobre o andor, que necessita da companhia da música (ou do acompanhamento musical) que lhe dá sustentação por dentro, como o andor lhe dá sustentação por fora.
De qualquer modo, grande & imenso companheiro & irmão Dylan, valeu ter ouvido, numa clara e ensolarada manhã há cerca de trinta e cinco longos anos, tua voz roufenha brotar dos sulcos supostamente sem sementes dum seco e chiante vinil de 1967, tornando o dia mais vivo e aceso com teus versos imantados de inexorável e inoxidável Verdade:
Não há reis
dentro dos portões do Éden*,
que me fez, num satori tropical, entender o que queria dizer aquele outro judeu como tu – Karl Marx –, ao sonhar com uma sociedade sem classes, evoluída, civilizada.
*Gates of Eden, do álbum Bringing it All Back Home
outubro 13/18, 2016
Antonio Leal de Campos
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