A música da vida
Quando uma criança nasce, em certa tribo, na África, ela ganha uma música. As boas-vindas ao novo ser humano vem…
Quando uma criança nasce, em certa tribo, na África, ela ganha uma música. As boas-vindas ao novo ser humano vem entre cifras e acordes subjetivos, por meio de uma das principais manifestações artísticas. Mas esse nascer é muito anterior à saída do útero; o nascer, para eles, é o momento em que o filho foi “pensado” por sua mãe.
Quando uma mulher decide ter um filho, ela se senta sozinha sob uma árvore e concentra-se até “ouvir” a música da criança que será concebida. Depois de “ouvi-la”, ela retorna e a compartilha com o homem que será o pai da criança, ensinando a música a ele. Então, quando fazem o amor com a intenção de tornarem-se pais, em algum momento do ato, cantam a canção do bebê, como uma forma de convidá-lo a vir.
Quando a mãe está grávida, ela ensina a canção do filho às pessoas da tribo para que, quando ele nascer, todos possam dizer “bem-vindo”, de forma cantada. À medida que a criança cresce, quando ela se machuca, cantam sua música a ela. Se, em algum momento da sua vida, essa pessoa comete um crime ou um ato socialmente aberrante, ela é chamada para ficar no centro de um grande círculo, formado pelas pessoas da comunidade. Então, cantam-lhe sua canção… Para que ela se lembre de quem ela é.
A tribo acredita que a forma de corrigir um comportamento anti-social não é o castigo, mas sim o amor e a recuperação da identidade. E a identidade só se estabelece efetivamente quando se sente a força do grupo, quando acontece o pertencimento. Este breve relato dos costumes africanos é contado por Bert Hellinger, filósofo, teólogo e psicoterapeuta alemão, criador das Constelações Familiares, técnica de psicoterapia que trabalha a conciliação e a influência da família no psiquismo humano. Para ele, o pertencimento é uma lei da vida, uma ordem do amor. Força impulsionadora para um futuro livre.
Quem alguém se sente acolhido, abre espaço para ser aquilo que realmente é, constrói sua identidade com base em sua lealdade interna. Ganha o sujeito, ganha o coletivo. Ganha a nova identidade individual e grupal. Ganha a vida que recebe mais um ser único, com suas próprias potencialidades.
Quando se reconhece a sua própria música, também já reconhecida pelo grupo, não se deseja nem é preciso fazer nada que prejudique a outros, porque seu espaço já está garantido. Já se faz parte. O “eu”, o “tu” e o “nós” estão integrados, embalados por trilhas sonoras.
Vicente Serejo