SAUDADES DA SUTILEZA

Minha infância foi vivida numa época em que os conflitos políticos no Brasil eram muito grandes. Cheguei à adolescência e a repressão ainda ditava o comportamento no nosso país. O que se observava era uma porção de gente sufocada, querendo falar o que pensava, mas sendo impedida pelos olhos astutos do poder instituído. Daí, vieram as comunicações de duplo sentido. Fosse no teatro, na música, nos livros ou no próprio diálogo diário das pessoas, certos temas não podiam ser tratados de forma direta, sob o risco de o autor ser mal interpretado e sofrer conseqüências nada agradáveis por isto.

No período imediatamente anterior a essa fase, não havia uma censura política de tamanha magnitude, mas a sociedade era mais reprimida do que a atual. O sexo era um tabu muito maior, a tradicional Igreja Católica era um dos pilares das famílias brasileiras e a mulher sujeitava-se, sem grandes esforços, ao homem que escolheu para ser “feliz” para sempre. Pode-se dizer que, quanto mais para trás no tempo, mais conservadora era a sociedade em que se vivia, independente do regime político a que estivesse sendo submetida num determinado momento de nossa História.

De repente, quando percebo, já estou no ano de 2001. O ano da ficção, que todos imaginávamos através dos olhos de Stanley Kubrick. Um ano tido como símbolo das conquistas e do conforto tecnológico. A realidade é sempre um pouco decepcionante, pois, no imaginário, costumamos nos levar a situações perfeitas. De qualquer maneira, há de se reconhecer que ocorreram muitas mudanças até chegarmos onde estamos. No Brasil, uma dessas mudanças, sem dúvida, é a maior liberdade de expressão. Estamos vivendo um momento em que é permitido falar quase tudo em quase todos os lugares. Se ligo a televisão, às três horas da tarde, num canal aberto, posso ver um filme com cenas tórridas de sexo. A música que se propaga em todos os cantões fala em “aparar pela rabiola” (“Então martela, martela, martela o martelão!”). No senado, o que se assiste, para congestão geral dos que jantam diante da TV, é uma troca de imprecações de baixíssimo nível entre Barbalho e Magalhães, que nem com galho de arruda conseguimos nos livrar (pelo contrário). Nas ruas, é comum vermos evangélicos de igrejas estrategicamente localizadas querendo a nossa conversão a todo custo (Se não nos convertemos, somos discípulos do capeta). Enfim, o que eu quero dizer é que a baixaria deixou de ser a exceção para ser a regra, dentro de um mercantilismo que, não duvido muito, seja capaz de fazer a mãe vender o filho recém-nascido para faturar um trocado. (Se não me falha a memória, isto já foi notícia. Se foi, não tenho do que duvidar.)

Juro para vocês que não tenho nada contra a liberdade de expressão. É um direito conquistado graças à quebra de muitos tabus e regimes. A única coisa que não quero é ser considerado peça de um jogo, onde as pessoas são o tempo todo ou compradoras ou vendedoras, numa guerra mercadológica que se aproveita da liberdade existente para aviltar os nossos sentidos de todas as maneiras possíveis. Tenho saudades, sim. Não da repressão, não da censura, não da maior hipocrisia social de outrora. Tenho saudades da sutileza, que foi se perdendo no tempo com a nova visão de mundo que se instalou nas nossas retinas.

Se fosse para pedir alguma coisa para o futuro, gostaria que o ser humano começasse a pensar tanto em mecanismos que bloqueassem um pouco a sua ganância quanto em colaboradores que não fossem tão objetivos na realização de suas tarefas. Talvez, assim, possamos começar a inverter esse quadro sem perder as conquistas obtidas tão suadamente, ao longo de todos esses anos.

Felipe Cerquize

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