Falar da Saudade

Houve um tempo no meu país em que saudade era a única palavra subversiva que podia dizer-se em voz alta.

Acontecia num tempo de luta inglória.
Olhava e pensava.

Aquela cara de olhos-lagos em cratera funda, de lábios secos e apertados, de firme mas tão triste expressão de desalento, cavando a terra madrasta, zumba que zumba a enxada, cavando mágoa após mágoa.

Correndo de noite pelas brenhas, saco cheio de contrabando às costas: era o café, o açúcar, o tabaco que faltavam, pequenos tesouros de quem não tinha nada mais que a sorte de atravessar o pulo do rio ou cair ao tiro do guarda.
Dos dois, um destino certo.

Subir de arma no ombro a escada sem fim do navio, lenços acenando em baixo "adeus, meu filho, que voltes vivo"... a guerra era um buraco negro no começo da vida incerta.
Sem mais saída.

Fugir de noite, mala de cartão, em busca do pão sonhado em terra alheia - França, Alemanha, Suíça... os olhos marejados, para trás os entes queridos, até um dia ...
Fado.

Na desventura, o toque de uma guitarra na ruela, um som que não se sabia de onde vinha, mal brilhava uma candeia acesa.

Sobre a enxerga os olhos insones abertos.
Os olhos vermelhos no choro de tantas noites à espera.

Ai de quem vai, ai de quem fica!
No meio essa ponte de esperança de voltar um dia, braços abertos.

Debruçada, essa carência de beijos a arder fundo na alma.


Maria Petronilho

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