Saudade

Tentar explicar o gosto de manga para quem nunca comeu manga é difícil. Até porque, no meu tempo, a gente não comia manga, chupava manga. Tentar explicar que a manga chupada no pé é mais gostosa, é quase impossível. A gente chupava manga no pé, se lambuzava todo, limpava na roupa e, quase sempre, levava uma bronca e uma chinelada na bunda. Talvez dê pra perceber que é bem diferente de comer manga e levar uns tapas nas nádegas.

Ainda não deu pra sentir o gosto, né? Se você for mais velho, lembre-se; se mais novo, experimente. Vale a pena!

Certos gostos e sensações não podem ser descritos, assim como algumas palavras não têm tradução. Saudade, por exemplo, não existe em inglês. Eles usam I miss you , que, como diria Luiz Gonzaga em “Qui Nem Jiló”, é muito diferente de uma boa “sodade”.

Foi assim que me senti, quando fui julgado e condenado por algo que nem sabia ter feito – e não o fiz! Lembrei-me do Sr. K., em “O Processo”. Percebi que até então, por melhor que escrevesse, nem Kafka tinha conseguido me explicar o “gosto da manga no pé”.

Quando, finalmente, soube por que fora julgado, senti um grande alívio, pois agora seria apenas achar uma maneira de explicar o que realmente aconteceu.

Não deu certo. Tudo que dissesse ou fizesse parecia alimentar ainda mais as desconfianças. Insisti, até ouvir um suave e conclusivo “com o tempo isso passa”.

Eu que no momento tinha três grandes paixões, sendo que duas: música e livros, eternas e antigas, como dá para notar; e outra, embora mais recente e, provavelmente, menos duradoura, até por isso mais intensa e urgente, como também dá para notar!

Na busca por sensações que me ajudassem, de uma maneira ou de outra, resolver a questão, lembrei-me de várias palavras e sentimentos: confiança, amizade, obstinação, sinceridade, coragem, paixão, medo, tempo e, novamente, saudade.

“Obstinação” é um livro do Hermann Hesse, que ressalta esta como uma das maiores virtudes do homem, o que me lembrou Geraldo Vandré: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

Que droga!, pensei, Eu, com um problema enorme pra resolver, filosofando com Kafka, Gonzaga, Hesse e Vandré. Às favas com discos e livros – o Belchior já disse isto! O tempo pode ser rei lá pro Gilberto Gil e suas negas; não aqui, não agora, não pra mim.

Horas, vários quilômetros e alguns pedágios mais tarde, cansado, mas aliviado, já de volta à minha casa, todas essas palavras ganharam mais sentido, mais significados:

Saudade trará a lembrança de uma noite de domingo, rodando por uma cidade estranha, em busca de um tal Cemitério da Saudade, onde, em frente, tem uma floricultura 24 horas, atrás de rosas vermelhas, para dizer a alguém muito especial que confiasse em minha sinceridade, obstinação, amizade, paixão e saudade! Que esquecesse medos e tempos, pois certas coisas são urgentes.

E uma música há de me soar diferente de hoje em diante:

Não quero lhe falar, meu grande amor, das coisas que aprendi nos discos, quero lhe contar como eu vivi e tudo que aconteceu comigo. Viver é melhor que sonhar! Eu sei que o amor é uma coisa boa, mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa.

Pode até não dar certo, mas, na dúvida, suba no pé e experimente a manga. Chega de Saudade.

Antonio Fais

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