SAUDADE DO BANHEIRO DE ANTIGAMENTE
Quero comprar um apartamento de três quartos, sem suite. Repito: sem suíte. Impossível. Ontem mesmo comecaram a construir um de quatro quartos aqui bem na frente do meu. Quatro suites. Será que não se fabrica mais apartamentos e casas como antigamente? Com um só banheiro, comunitário, grande, todo branco de chão vermelho, com janelas para as mangueiras, com banheira grande, branca como devem ser as banheiras?
O que será que está mudando nesta nossa moderna sociedade de consumo? O brasileiro, de uns tempos para cá, vem defecando mais? Não digo as defecadas federais, nem as estaduais, nem as municipais. Estou me referindo à nossa defecadinha honesta de todo o dia, pessoal, íntima.
Ou será que foram os arquitetos que perderam o senso do ridículo?
O mais interessante é que, antigamente, as famílias eram bem maiores, tinha-se mais filhos. E banheiro, um só. Ladrinho vermelho encerado ou com vermelhão. Ali se fazia as necessidades e se tomava banho. Tinha horas do dia que se faziam filas para entrar em banheiro. Hoje, fila de banheiro, só em festinha para se dar uma cafungadinha.
Os banheiros tinham janelas. Não era necessário nenhum perfume artificial para se combater o cheiro de cada um. O banheiro tinha um cheiro característico dele, uma mistura de pasta de dente com sabonete Gessy. Hoje, como os banheiros são mínimos, sente-se cheiro de tudo. Primncipalmente das nossas necessidades fisiológicas. Os banheiros são pequenos cubículos, caixas de cheiro duvidoso. Dentro da latrina já se coloca um baratinho, depois, joga-se não sei o que lá dentro. E, dependendo do almoço ingerido, ainda se tem que dar umas borifadas deste ou daquele produto.
Antigamente um rolo de papel higiênico dava para uma família, semanas. Hoje, gasta-se muito mais. Não sei porque andamos nos sujando tanto. Vocês já notaram nos carrinhos de super-mercados, a quantidade de papel higiênico que as donas de casa compram? E tem mais: já tem papel higiênico que já vem perfumado. Pessimamente perfumado, mas perfumado. Claro, nesta caixa que se tornou o banheiro, por onde vai sair o cheiro?
E quando a namorada é nova, você dorme com ela, acorda no dia seguinte e vai fazer o seu serviço e aquele cheiro fica a invadir o seu quarto e ela, que também, está a fim de ir lá, disfarça na cama, fica fazendo hora, porque sabe que a barra está pesada lá dentro? Sei de casos que terminaram na primeira manhã de amor.
E fazer amor debaixo do chuveiro nestes apartamentos cheios de suite? Já tentaram? Impossível. Os box são feitos só para um e olha lá. Para se abaixar para pegar um sabonete no chão teme-se ferir o bumbum na maçaneta. Se você senta-se na privada não pode abaixar a cabeça porque senão bate na pia. E, no bidê, tem-se que fazer ginástica para lavar qualquer parte chamada pudenda. Hoje, os bidês parecem mais com bibelôs de porcelana. E aquelas suites que não tem esguicho no bidê e então você tem que puxar o chuveirinho do chuveiro, atravessado ali naqueles dois metros quadrados. Corre-se o risco de tropeçar nele e bater a cabeça na torneira da pia.
Saudades da fila do banheiro. Ou quando a mãe mandava tomar banho, era aquela gritaria: primeiro! Sou o último! Vai, menina, não aguento mais! Mãe, o fulano está demorando muito! Ou, como aconteceu com uma amiga minha que, na pré adolescência foi reclamar com a mãe que tinha vistos vários espermatozóide do irmão andando pelos ladrilhos do banheiro.
Enfim, as suites que estão nos vendendo, são mais um motivo para a desagregação da família. Estão isolando pais de filhos, irmãos de irmãs. Antigamente, a família que defecada unida, era muito mais unida.
Ultimamnente, no Brasil, parece que só os anões do orçamento continuam a defecar juntos. Mas, na prisão, tenho certeza que cada um vai ter uma cela individual. Uma suite para cada um. Para que nunca mais fiquemos sabendo de suas defecadas coletivas. E que eles aguentem sozinhos o cheiro da podridão que fizeram com o nosso dinheiro.
Mário Prata
Publicado no Jornal O Estado de SP, em 03/02/1994.
Fonte: site do autor <http://www.marioprataonline.com.br/obra/cronicas/saudade_do_banheiro.htm>