O portal mágico

"Boa viagem! Boa viagem! A vida é isto...
Que aprumo tão natural, tão inevitavelmente matutino
Na tua saída do porto de Lisboa, hoje!" - Álvaro de Campos (*)

Um vento forte vinha do norte invadindo o quintal da casa. Cheiro de chuva que chegava. Ronco de trovões numa sinfonia mística fizeram com que as crianças se abrigassem em baixo do belo e centenário jambeiro. O zunido da massa de ar, misturado com o ranger dos trovões, fez com que os pestinhas permanecessem num silêncio profundo como se estivessem meditando. Na verdade estavam tomados pelo pânico.

- Zumm! Tum! Zumm! Tum! - Num ritmo que lembrava tambores Tupis.

De repente estavam todos naquela estranha nau. Bito cutucou Juca que abriu os olhos espantado:

- Bito? Onde estamos? - cochichou baixinho com medo de ser ouvido pela tripulação do navio.

- Isso aqui parece muito com uma embarcação portuguesa do século XIV. E aquele com ar superior ali em cima na posição de comando, se não me engano é o Cabral!

- Cabral? Tu bebeu algo no almoço, Bito? Andou visitando o bar do seu Wilson? Esse cara já morreu faz um tempão! Tu tá bêbado ou maluco?

- Não! Eu lembro muito bem dos livros de história do Brasil! É o Pedro Alvares Cabral, caraca!!! Será que estamos num sonho ou numa alucinação coletiva? - acabou bradando em voz alta atraindo a atenção de dois marinheiros;

- Meninos? Quem são vocês? - Como chegaram aqui no navio? - Vamos ter que levá-los ao Cabral!!!

- Não falei!!! É o próprio descobridor em carne e osso!!! - gritou o Bito!!!

- Caraca que demais!!! Será que ele já descobriu?

- Descobriu o quê menino que converse maluco!!! Esses dois não devem bater bem da caixola!!!

Após serem arrastados pelos dois educadinhos nossos jovens heróis chegaram na cabine de comando.

- Marujo Oliveira! Quem são esses garotinhos?

- Mestre Cabral, isso não sei explicar! Mas eles pareciam estar discutindo no convés!

- Meninos quem são vocês? De onde vieram?

- Podemos lhe explicar seu Cabral. Se conversarmos longe desse brutamontes.

- Vamos puxar suas orelhas seu moleque safado!!!

- Marujos deixem os pobrezinhos em paz! Saiam já da cabine!

- Bom seu Cabral, sei que você não irá acreditar! Mas viemos do futuro!

- Bem que os soldados falaram que vocês não batiam bem da cabeça! Que converse maluco é esse?

- É verdade, posso provar! - desafiou-lhe o Bito.

- Então desembucha logo e espero que fales a verdade senão terei que prendê-los no porão até o fim da viagem!

- O senhor não tem um escrivão chamado "Pero Vaz de Caminha"?

- Tenho sim! Como sabes disso? Alguém te contou antes de embarcar, não é?

- É difícil de acreditar, eu sei! Mas no mês de abril do ano de 1500 D.C. o senhor vai descobrir uma terra nova!

- Qual o quê menino? Quanta imaginação!!!

- Não seu Cabral! A carta do descobrimento será escrita por "Pero Vaz de Caminha" e enviada ao rei de Portugal! A sua frota não é composta por 13 barcos? Vocês não estão indo para as Índias? seguindo a rota de "Vasco da Gama"? Há quantos dias estão no mar?

- Quarenta e quatro, porquê? Quê diferença faz isso!

- Dependendo da quantidade de dias vocês já deveriam ter chegado nas Índias! Caraca 44? Então é hoje! Quê dia é hoje?

- Vinte e dois de Abril!

Uma voz se ouve bradar:

- Terra à vista! Terra à vista!

Cabral ficou espantado e foi correndo averiguar Dominado pela surpresa nem pode notar o vento forte que chegou formando um pequeno, mas poderoso redemoinho dentro da Nau portuguesa Ao voltar não encontrou mais os meninos. Com medo de ser considerado louco, nunca contou essa história aos demais tripulantes.

(*) "Ode Marítima" - Poema de Álvaro de Campos, pseudônimo de Fernando Pessoa.

 Argento

5º lugar no Concurso de Contos da Secretaria Municipal de Cultura de Guaratinguetá/SP, 2004

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