CONTO DE UMA NOITE DE NATAL

Era noite de Natal! Sentia-se ao longe o cheiro de guloseimas no ar. Cheiro de festa...
O relógio da matriz já anunciara com suas badaladas que era chegada à hora do renascimento entre os povos.
Da vidraça embaçada pela minha respiração ofegante, podia se ver e ouvir o corre-corre das crianças na rua à espera do papai-noel que não tardaria a chegar.
A criançada parecia não se conter de tanta alegria e desfilava com seus presentes que evidenciavam o único significado de uma noite de natal.
A noite estava muito fria. E por entre os arbustos que enfeitavam o imenso jardim, com muitas luzes coloridas, avistei dois pezinhos sujinhos envolvidos por um par de sandálias ruídas e desbotadas pelo tempo de uso.
As perninhas tremiam como as folhas nas copas das árvores.
Saí da minha fantasia... Atravessei o muro de grades imensas que me protegia da violência das ruas e da minha indiferença com a vida e sem pensar em mais nada, em segundos me aproximei daquela figura sofrida pelo qual meu coração se tocara.
Os olhinhos azuis da cor do céu quase encobertos pelos cachinhos louros e desalinhados que lhe caiam a testa como chumaços de algodão.
Nas mãozinhas sujas e roxas de frio, um embornalzinho que segurava com tanto cuidado como se estivesse guardando um tesouro.

—      Olá! Disse-lhe em um único fio de voz...

A criança levantou a cabeça, mas não teve nenhuma reação, como se o que pudesse acontecer a partir daquele momento não tivesse mais nenhuma importância, o que mais poderia ser pior do que estar ali sozinho, com frio, com fome e em plena noite de Natal. Pude ler seus pensamentos.

 —       Olá! Estou incomodando a senhora?
 —       Não! Não me incomoda... O que faz aqui sozinho? Perguntei-lhe, como se já não soubesse a resposta.

A criança mordeu os lábios, e com uma expressão de tristeza acentuando-lhe o rostinho pálido, disse-me.

 —       Saí de casa muito cedo, para ganhar alguns trocados e levar comida para minha mãe. Tenho mais três irmãozinhos menores,  amanhã será comemorado o nascimento de Jesus, pensei em levar alguma comida para colocar na mesa e celebrar o NATAL com minha família...

E continuou...

 —       Andei muito, bati na porta de muitas casas, desci e subi muitas ladeiras e acabei me perdendo, não consegui voltar para casa e como logo anoiteceu, a fome e o frio me tiraram as forças para caminhar.
 —       Você tem pai? Perguntei-lhe já com os olhos marejados.
 —       Não! O meu pai morreu antes do natal passado... Respondeu com um soluço.

Fiquei ali parada por alguns instantes, sem saber o que fazer.

 —       Venha!... Levante-se... Levarei você pra minha casa! Tomará um banho quente, comerá alguma coisa e depois acharemos sua casa.

O menino levantou-se devagar e foi caminhando lentamente mantendo alguns passos de distância de mim. Ficou caladinho até que entramos pelo portão da minha casa.
Suas mãozinhas apertavam tanto o embornalzinho que a curiosidade aflorou-me e perguntei-lhe.

 —       O que trás com tanto cuidado?

Ele olhou-me nos olhos pela primeira vez e disse-me:

 —       São dois pãezinhos que ganhei!
 —       Mas se estava com tanta fome, porque não os comeu?

Com um leve sorriso nos lábios, respondeu-me:

—      Não! Isso foi tudo que consegui... Precisava chegar à minha casa para dividi-los com minha mãe e com meus irmãos que estão me esperando!

Não tive coragem de retrucar!
Era um ato de extrema bondade, não me atreveria em quebrar a beleza do verdadeiro sentido do Natal, que é a partilha.
Subimos as escadas e percebi que a criança observava tudo, como se nunca na vida tivesse tido a oportunidade de pisar em uma casa de verdade. Mas eu sabia que era a única coisa que lhe faltava, pois já tinha uma família de verdade para colocar dentro dela. E esse pensamento prendeu-me o ar.
Conforme havia prometido, preparei-lhe um banho, roupas limpas e quentes e descemos para a sala de jantar para que comêssemos alguma coisa e em seguida o levaria para procurar sua família.
Preparei-lhe um sanduíche de queijo quente, uma xícara de leite com achocolatado, bolo de natal e pão de queijo.
Ele olhou para aquela mesa farta e com os olhos brilhando e as mãozinhas contritas, agradeceu a Deus em oração:

 —       Meu Deus! Pôr instantes achei que o Senhor não existisse: Na hora que me sentei na calçada e rezei a oração que a mamãe me  ensinou, pensei que o senhor não tivesse me ouvindo, fazia muito barulho na rua e o frio me prendia a voz. Pedi em pensamento que o Senhor me enviasse um anjo para me ajudar a voltar para casa. Mas não sabia que os anjos falavam, sorriam e tivessem  casas, o Senhor é bem esperto, porque eu achava que todos os anjos tinham asas brancas e que desciam do céu.  Senhor! Ajude minha mãe a ficar boa e avise que eu já estou chegando! Obrigado por tudo! Amém!

E as lágrimas deslizaram pela minha face... E só consegui acrescentar:

 —      Amém!

Silvia Trevisani

3ª lugar / categoria nacional / no 9ª Concurso Literário Prêmio Missões de Roque Gonzales / Rio Grande do Sul

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