DA PLATÉIA
Impressões da penumbra quando a mão direita faz uma sombra azul. Pendurada numa espécie infinitamente equilibrante de circunstâncias adversas: um guri cheira cola (lá fora); um grupo de pessoas marca lugares e a equipe organizadora assume umas vazias cadeiras (reservas de segurança); quedo-me num sexto lugar da fila de mesas enviesadas, o melhor que pude conseguir chegando às 18 horas.
No meio dos vieses penso e repenso minhas posições e troca das mesmas enquanto procuro ficar invisível até onde a pouca luz ambiente permite, tudo para que o curió possa abrir o bico e a audiência situe o momento num contorno de certa forma sinuoso enquanto a labareda arde, enquanto morre a tarde. O burburinho ameaça invadir minha concentração logo depois que o azul contorna o violeta da sombra da caneta no papel.
Uma hora mais tarde, no meio de um emaranhado de figuras muito mais do que incertas seduzo o olho do ouvinte e do assistente de bilheteria porque tudo é uma infinita fantasia, colossal! Depois de todo o outono, sem que seja necessário baixar o pano em toda lenda suburbana e mesmo que assombre uma praça (onde um pequeno com uma garrafa ainda cheira cola) ninguém da platéia descola ou desenrola o pergaminho que do deserto incendeia (A Catedral), um cometa desliza, um ogro invade toda a cena e o poema é assim de modo novo construído, logo depois da Avenida sete na Rua do Teatro.
Por que a página cresce? É, sim, porque não consigo compreender a espécie de rotina retilínea de uma cidade em torno de um mar salgado, nem perceber porque comem as pessoas durante o espetáculo e se distraem no rito do alimento. Nem sequer imagino os motivos implícitos ou explícitos, dessa forma, minha orelha entra em parafuso incapaz de reter tantos sons e meus olhos começam a lacrimejar de tanto esforço para fixar o conjunto alucinante de tipos que não desfilam, se enfileiram, porque querem e esperam porque não sabem o acontecer, como diria Vandré (¹).
Eu sequer existo retida no suspense de pensar-me sem finalidade de imaginar-me sem sagacidade; detida no meio de cadeiras que vão se fechando a minha volta. De repente não sei mais onde há passagem, se tem ponte ou ponto do nó duplo do marinheiro, sinaleiro endoidado entorpecido depois da primeira ressaca nem vislumbrou a onda que o sacudiu, o “iceberg” que o destruiu. Os valores invertidos do mundo enlouquecido pelos sons das marés vazantes. É que os ventos do norte nem sequer sacodem as pás dos moinhos.
Enfim a cena. De repente pelo meu lado direito a menina entra frágil, imagino que são justificados os muitos cuidados para segurança dela. Essa vista reconheço de tantos sons e imagens colecionados nos últimos quatro anos. Desse instante em diante nada, nenhum outro som tem mais importância, que não os ouço. Tudo faz sentido agora! O lugarzinho lindo combina.
O arrojo da interpretação! Não pôde transformar-se em outras como o anunciado no titulo de Itamar dizia. Por que? Simplesmente não pode! É antes a versatilidade em destaque porque ela não canta apenas... Ela encanta com a interpretação. Seu corpo inteirinho canta e vive cada canção. Não é outra é ela só, em talento e esforço em longos anos alimentados pela sensibilidade de captar cada autor e cada canção, saber selecionar. Incorporação não! Não, acho puro talento e dedicação. E a paixão!
Uma hora inteira passou voando! Viajei com ela por épocas e lugares distantes da musica brasileira acompanhei-a atrevidamente em algumas canções que em minha infância ouvira. Nem batia palmas, queria apenas ouvir, ouvir, ouvir... Ver, ver e mais ver.
Não é que valeu atravessar o Brasil inteiro no inverno! Deixar meu lugarzinho quente para olhar de outro mirante na esquina da Rua do Teatro, pertinho da Praça Tiradentes. Um evento histórico assistido pela história antiga do país e seus monumentos e a história que se escreve agora de meninos do centro do Rio que dormem na praça. A um passo do palco lindo de Zélia Duncan.
(¹) Referência à música “Pra não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré.
Nazilda Corrêa