Ética na literatura a partir de Truman Capote

       Uma leitura da palestra de José Nêumanne proferida na 1ª Bienal Nacional do Livro da Paraíba, em 21 de maio de 2006

Truman Capote e os limites entre a ética e a literatura. Esta foi a base da palestra feita pelo escritor José Nêumanne Pinto no Encontro com o Escritor, na Bienal Nacional do Livro da Paraíba, realizada em João Pessoa, no Espaço Cultural, no domingo. Nêumanne começou sua palestra se reportando ao fato de que o filme Capote ainda esteja em exibição em João Pessoa e avaliou positivamente a produção que deu Oscar de Melhor Ator ao ator Philip Seymour Hoffman. 

Antes de verticalizar sua análise sobre o livro A Sangue Frio de Capote, Nêumanne fez uma digressão teórica e afirmou que o romance, enquanto gênero, na literatura ocidental no século XX, havia chegado ao seu limite após a monumental obra Ulisses, do escritor irlandês James Joyce. "O Truman Capote realiza uma obra-prima com A Sangue Frio, mas fica o impasse: é ficção e é reportagem ao mesmo tempo. Talvez esteja aí uma saída para o romance", sugere o escritor. 

Para Nêumanne, uma outra saída para a ficção ocidental pós-Joyce surgiu com a obra do escritor argentino Jorge Luís Borges. "Embora não tenha escrito nenhum romance, o Borges escrevia contos, ele foi fundamental para a literatura no século XX. O Borges brincava muito, ninguém sabia até que ponto o que ele falava era verdade ou ficção, ele misturava as duas coisas. Tinha uma cultura absurda a qual o seu leitor não tinha acesso, então, não se sabia até que ponto Borges estava fazendo ensaio sobre a ficção ou fazendo ficção como ensaio". 

O paraibano contou que chegou a conhecer Jorge Luís Borges pessoalmente. Nêumanne disse que foi a Buenos Aires e procurou pelo nome do escritor em uma lista telefônica e ligou para o número que indicava. "Quando liguei, uma voz feminina me atendeu e eu pedi para falar com a assistente de Borges. Fui informado de que o escritor não tinha assistente. Ele próprio veio falar comigo", revela. 

José Nêumanne Pinto lembra que não era apenas nos contos que Borges fundia ficção e realidade. "A conversa dele também era assim. Sua obra é o registro da conversa dele. Ainda ao telefone, Borges, quando me identifiquei, ele começou a contar uma história sobre uma ida sua ao Brasil com seu pai, de um assassinato. De imediato reconheci que o Borges estava me narrando um conto dele, como se fosse algo real". 

"Cheguei lá e ele estava arrumado para me receber, de terno e gravata. Conversamos durante uma hora. Houve um momento na conversa em que ele me perguntou se eu lia muito, respondi que sim. Borges me disse que ler era uma coisa pra imbecil, que o importante mesmo era reler". 

O escritor, retomando o tema central da palestra, enfocou a história da feitura do romance A Sangue Frio, do escritor e jornalista Truman Capote. A obra foi escrita a partir de uma reportagem que o jornalista Capote faria sobre o assassinato de uma família de fazendeiros no Kansas. O mestiço Perry Smith e Dick Hickock planejaram um assalto. Viram que não havia nenhum dinheiro e, num descontrole, Smith elimina toda a família. 

"Capote tinha uma técnica muito particular para fazer entrevistas. Primeiro: ele sempre começava falando de si. Segundo: nunca tomava notas, nem gravava as conversas. Capote foi treinando um método de memória que o fazia ter um grau de 94% de fidelidade", relata Nêumanne. 

"Eu conheci o Capote. Ele era baixinho, homossexual, falava em falsete. Então, para fazer esta reportagem ele foi acompanhado pela escritora Harper Lee, sua amiga de infância". 

Capote, conforme recordou Nêumanne, teve uma relação de afeto muito grande com Perry Smith e, além disso, chegou a pagar os advogados de defesa dos condenados para conseguir o seu objetivo, que era extrair a confissão do assassinato e a narração do dia do crime. 

"Capote praticamente esqueceu o Dick Hickock e todo mundo seguiu o mesmo caminho. Todavia, existe um erro jurídico aí. O assassino foi o Perry Smith, ele tinha planejado o assalto, mas não matou ninguém. O Dick não tinha que sofrer com a mesma pena que o Perry. O Dick foi condenado não pelo crime, mas porque era da escória e não tinha ninguém por ele", opina. 

Para Nêumanne, a pergunta que se impõe, na análise do episódio, é a seguinte: até que ponto é ético e lícito um escritor sugar a alma de outra pessoa, como fez Capote com o assassino Perry Smith? É justificável? Fica a questão no ar. 

Astier Basílio

Publicado no Jornal da Paraíba, 23.05.2006
Enviado por José Nêumanne Pinto

POEMA DE ASTIER BASÍLIO

lido durante o encontro com Nêumanne, na Bienal Nacional da Paraíba, domingo 21.05.2006

há dois Nêumanne em uma só pessoa
um é outro de si. Um é garoa,
outro é névoa sem cinza, peregrina.
Um em terno e gravata vem à tona
Outro ri sobre as ruas de Campina
Um se vê nos vitrais de Barcelona.

Há dois Nêumanne em um só desespero,
um escriba. Outro um quase violeiro,
um em penas: redoma da rotina
outro de Uiraúna, não se clona
este um com miopia tem Campina
esculpida num ocaso em Barcelona

há dois Nêumanne e apenas um respiro
uma parte pondera outra (de)lira
um cavalga canções o outro opina
um sisudo se assina o outro zona
um é beco que borda uma Campina
terminando numa igreja em Barcelona

há dois Nêumanne e uma geografia
um é lobo de si, outro é poesia
um é Ícaro e longe estaciona
outro é Sísifo e sua sendo sina
um trancou no infinito uma Campina
que brincava de Deus em Barcelona

há dois Nêumanne: um vai, por isso fica
um escreve e o outro se publica
- eles se cumprimentam. Um é lona,
outro é loa, um é légua outro é sextina,
um morreu de saudades em Campina 
para ressuscitar em Barcelona

há dois Nêumanne e o tempo aos dois encarde
um é novo é açude, o outro é tarde,
avenidas que no meu verso enjaulo
um é lauda outro é lenda. Eis o problema
a brindar Barcelona e Borborema
estes dois são um só porque São Paulo.

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