As três pragas do século XXI
As três pragas são: a informação/conhecimento, a fala, a verdade.
Cada vez mais as pessoas se concentram nas grandes cidades, tornando-se estas às vezes metrópoles. Se, por um lado, traz benefícios enormes em termos de oferta de possibilidades culturais e de modos de sobrevivência, por outro, também faz surgir, em muitos casos, uma degradação da qualidade de vida. O que entender por esta qualidade de vida é problemático. Entre os sintomas da perda de qualidade de vida está o surgimento da violência. E esta passou a ser uma das maiores preocupações das autoridades e dos cidadãos, tornando-se, por isso mesmo, objeto de pesquisas, debates e avaliações. Porém, uma tal violência é vista muito mais na sua forma e rosto visível, configurada em assaltos, arrastões, mortes, desastres de carros, população de rua, menores assaltantes etc. Não há como negar essa realidade e que afeta diretamente as pessoas e, normalmente, da maneira mais aleatória e imprevisível. Isso gera medo, insegurança e degradação de uma certa qualidade de vida.
No entanto, há uma outra violência mais sutil, silenciosa e onipresente. Esta não é objeto de pesquisas e nem parece que as pessoas a temam, embora degrade certamente a qualidade de vida em seu sentido essencial. Por que então ela não é estudada nem se tomam medidas para combatê-la? Por não ser evidente e não atingir as pessoas conscientemente, passa despercebida e, aparentemente, ignorada. Mas é uma das violências mais deletérias, porque atinge cada ser humano, naquilo que é essencial, a sua possibilidade de realização onto-poética.
Desta realização não se pode dar uma definição, porque na definição começa a própria existência e operação de tal violência. Nem tudo pode ser definido na vida, a começar pela própria vida. Qualquer definição de vida é já uma violência. A vida é para ser experienciada. Ao menos pode-se falar dela. Esta fala, de tão rara, jamais faz parte da praga. Porém, uma tal fala nada adiantará se não se fizer de tal fala uma experiência de palavra como palavra de vida. É neste sentido e só neste que escrevemos as reflexões a seguir. Como não propomos definições nem sistemas, não enunciamos nenhuma certeza e muito menos verdade. E muitas das afirmações podem facilmente ser rebatidas, sobretudo por quem estiver aparelhado com certezas. Também não navegamos a fácil correnteza da relatividade nem da indiferença. Mas um impulso generoso nos move, porque poético, onto-poético.
A figura-questão praga
A praga, antes de “figurar” um mal co-letivo, assinala concretamente um desequilíbrio. Isso é largamente estudado pela ecologia e tem muitas facetas, mas diz respeito, sobretudo, à quebra do equilíbrio de um eco-sistema. Não se acaba com uma praga eliminando o “elemento” ou agente que causa a praga. Ele deve ser reconduzido ao seu lugar na cadeia vital e re-inserido numa tensão produtiva, pois eliminá-lo será afetar – com perdas às vezes irreversíveis e incalculáveis – todo um eco-sistema integrado em tensão das diferenças. Trata-se, pois, de manter uma identidade como tensão de diferenças.
O fator mais virulento e violento dessas três pragas é que elas afetam e procuram impedir o exercício e, muito mais, a experienciação do pensar. Mas o que pensar tem assim de tão importante e perigoso – num sentido inverso ao das pragas? É que o pensar é o difícil e gratificante caminho da realização onto-poética. É uma graça que vem da renúncia, onde renunciando e só renunciando se tem mais: a posse do que nos foi dado e doado como o que nos é próprio.
Renúncia! Como falar em renúncia numa sociedade do conhecimento, da abundância de informações jamais vista, numa sociedade de consumo, de oportunidades de vivências estéticas nos mais diversos modos e meios? Não será isso uma idéia aristocrática e nostálgica, retrógrada e antidemocrática? Mais: não se trata, pelo contrário, de incluir as camadas cada vez mais numerosas dos excluídos?
Antes de respondermos, façamos uma pergunta simples, porque o simples é o mais procurado e, por isso, o mais digno de ser pensado: será que todas as possibilidades e ofertas que podem e até devem dizer respeito a todos e afetá-los por si mesmo provocam e fazem crescer em cada um o afeto? Onde o equilíbrio necessário para que o afetar não se torne afetação, pela qual se mascara e destrói o afeto?
A renúncia não diz indigência, nem falta, nem perda de liberdade e de crítica da consciência, nem empobrecimento e exclusão. Só podemos renunciar ao que já temos. Mas o que é ter? Quando o ter é ser? Quando o não-ter é ser? Quando o ter é não-ser?
Ter pode significar o acrescentar e acumular de fora o que nos é oferecido para consumo. Porém, ter pode significar outra coisa, mas que não pode ser vendida nem comprada nem agregada nem somada: o ter que se é. É um apossar-se que nos afeta e enche de afetos: é o apossar-se amoroso do que nos foi dado para posse, onde tal possuir só é ter, se nos apossamos do que nos foi doado para sermos. E o que já desde sempre nos foi doado? O que nos é próprio, do qual nos devemos apropriar para ser. Um tal apropriar se dá na apropriação como manifestação e realização do que essencial e já desde sempre nos pertence: o ser que nos é próprio. Ter, então, é tomar posse do que nos é próprio. O que nos é próprio só se pode manifestar e realizar agindo a partir do apelo para ser como procura do cuidado e cura de ser. Não se pode realizar – tendo – o que é próprio a partir de qualquer acréscimo ou soma que venha de fora. Por isso, ter o que é próprio, sendo, não pode ser oferecido por nenhuma sociedade de consumo e do conhecimento, pelas vivências repetidas de modo intenso como estéticas, aparentemente pessoais.
Primeira praga: a informação/conhecimento
Com a aplicação da computação em larga escala e cada vez mais poderosamente, o papel da ciência se tornou tão essencial que tudo hoje gira em torno dela. Mas a ciência é sábia? Hoje a ciência vive e produz a partir dela mesma a maior perplexidade e contradição de que é portadora a informação/conhecimento. A obsolescência e ultrapassagem dos próprios conhecimentos produzidos por ela se faz hoje numa velocidade inimaginável para o simples consumidor, de tal maneira que cada vez mais rápido é necessário abandonar, considerar ultrapassado o que se sabe e ter que aprender os novos conhecimentos trazidos pelas novas pesquisas, quando não pelas novas disciplinas.
Frente ao volume de informações/conhecimentos produzidos e conservados pela via eletrônico-computacional, cada um fica perdido e desorientado. O acesso aos conhecimentos exige cada vez mais dinheiro e tempo. Mas como ter tempo para se atualizar, se é preciso trabalhar para ganhar dinheiro e, assim, poder comprar as novas aparelhagens, os novos livros, revistas etc? Como este círculo vicioso é rompido por poucos, surge uma nova aristocracia – literalmente: poder dos melhores (os poucos em dia com tais conhecimentos). Hoje, para fazer parte dessa aristocracia, exige-se do jovem o doutorado, o que o leva a entrar na vida com independência apenas em torno dos trinta anos. Por outro lado, contraditoriamente, todo seu vigor erótico-reprodutivo-afetivo vem sendo cada vez mais impulsionado tão logo sai da adolescência, pelos apelos e ofertas estético-eróticas. Do ponto de vista afetivo-emocional, este não equilíbrio pode causar males e desajustes irreversíveis. É um dos sintomas da praga. Mas há algo pior ainda: o funil por onde passam esses poucos e a pirâmide tornam-se cada vez mais estreitos e desproporcionais à base, a grande maioria. Com isso, a massa de base cresce assustadoramente e caminha para uma exclusão de participação ativa na informação/conhecimento, ficando sem direção e ao sabor de um mercado devastador e iníquo, porque fundado no domínio e aplicação dessas informações/conhecimentos para produção de bens de consumo. E aumenta o número dos desinformados e despreparados para as novas tarefas exigidas pelos aparelhos sofisticados, gerando movimentos e mudanças psíquicos, familiares e sociais constantes, onde a instabilidade é a refeição servida a cada nova manhã. Uma tal instabilidade é sinal evidente da praga em que se tornou a informação/conhecimento. Este, que surgiu e surge e opera a possibilidade técnica de promoção e libertação do ser humano, passa a ser – como praga – o fator preponderante de exclusão, escravidão e aniquilamento. É a praga.
Não pode haver nostalgia. Está aí e continuará irreversivelmente. Hoje, toda a política se faz em cima dos avanços científicos e tecnológicos. O discurso político-social tornou-se um simulacro e dissonância deslocada, irreal e fictícia. É necessário denunciar e anunciar que a linguagem – que faz do ser humano, humano – antes de ser científica e lógica – é essencialmente sábia. A via do ser humano não é a via do conhecimento técnico-científico só. É também e, sobretudo, essencialmente a vida e via da sabedoria. Sabedoria desde tempos imemoriais se realiza como poiesis do sagrado.
Ser sábio é o ser humano responder e corresponder ao apelo do que ele é e sempre será como ser-in-augural. Um tal apelo se dá pela escuta da fala do silêncio e da experienciação do vigor da não-verdade. Essa é a via de equilíbrio e a via para evitar a praga da informação/conhecimento do século vinte e um.
A segunda praga: a fala
Os meios de comunicação e de acumulação das informações/conhecimentos produzem a fala como praga. É o falatório. São centenas e centenas de canais de rádio e televisão. Muitos funcionam ininterruptamente, vinte e quatro horas por dia. Nosso ouvido e visão estão permanentemente ocupados, assediados pelas mais diversas informações e conhecimentos. Diante da presença maciça do falatório geral, as pessoas se sentem compulsoriamente impelidas a falar, numa variação caricata, mas fiel, da proposição cartesiana: falo, logo existo. E o interessante é que as que mais falam são as que mais se repetem e menos têm a dizer. A necessidade consumista de reprodução e circulação para venda leva as possibilidades da reprodução das falas a um nível insuportável. É necessário produzir músicas, filmes, livros, revistas etc etc, maciçamente. O objetivo de uma fala tão generalizada nem mais está no que se fala, está na circulação do falatório como uma mercadoria que deve gerar lucro, não escuta. É este falatório sem limites e opressivo na solicitação do ouvir/ver, e assim nos manter ocupados, que faz da fala uma praga – praga porque não tem nada de novo a dizer – incomensuravelmente destruidora. Já Hölderlin disse: “somos essencialmente um diálogo” . Mas diálogo não é falatório. Hoje, toda cultura deve ser comunicativa, comunicável e comunicante.
A fala, a expressão mais radical do ser humano, se vê em nosso século transformada numa praga. O perigo, evidentemente, está em querer proibir a fala, experienciação de subjetividade, consciência e liberdade. O perigo, a praga, é a fala do falatório. No fundo, o que a fala do falatório silencia e oprime? A fala do silêncio, da escuta do silêncio.
O silêncio não é a falta de fala nem o excesso. O silêncio é a plenitude da fala. E como plenitude não é . Deste não-é lhe advém a excessividade, que é fala. O silêncio não é, fala, dá-se fala. Fala silenciando. Quem procura o silêncio encontra a fala como escuta. Quem só fala e não escuta não encontra o silêncio, que sempre se retrai e vela. Ele é a fonte originária e in-augural de toda fala. Falamos para nos encontrar e realizar no e a partir do silêncio. Quem não cultiva o silêncio não pode falar a fala do que é. E que desafio maior existe para cada um senão ser ? O silêncio é o mergulho no mais profundo do entre/interior de todo horizonte em que já estamos sempre lançados e projetados e aliciados. O silêncio é o silêncio do culpado e do inocente. O silêncio é a concentração máxima da poiesis como essência de todo agir. A verdadeira e fundante poesia é sempre poesia do silêncio.
Não podemos ficar esperando que essa experienciação nos venha de fora. Quem não aprender a falar tão-somente a partir da experienciação do silêncio, nunca poderá chegar a ser o que propriamente é. A renúncia conduz ao silêncio e produz pelo educar da fala e da escuta o que cada um é.
A terceira praga: a verdade
Há muitas verdades. Nisto consiste a praga.
A verdade vos salvará. Esta palavra da boa nova se tornou uma praga. Mas como? Quem poderá viver sem verdade? O que cada um guarda no seu íntimo mais recôndito não é a sua verdade? Por isso Santo Agostinho, um angustiado pela procura da verdade, disse que Deus é mais íntimo ao ser humano do que o próprio ser humano é íntimo a si mesmo. Então a pergunta mais angustiante não é se Deus existe ou não existe. A questão está no fato de que Deus assumiu a figura d' A verdade, pois como Deus não poderia ser UMA verdade. Negar a existência da verdade pela existência de outra implica a negação, muitas vezes e para muitos, de Deus. O interessante é que nunca e jamais implicou na negação da sua substituição por qualquer outra verdade: a da matéria, do niilismo, do absurdo. Porém, todos reconhecem que nossa fala e conhecimento jamais podem dar conta do mistério em que estamos irremediavelmente mergulhados. O mistério tem voz e rosto: é o silêncio, é a sabedoria, é a não-verdade.
A pronúncia de qualquer fala e o exercício de qualquer conhecimento já se dão sempre no âmbito de uma verdade. Por isso, o reduto último de nossa identidade é nossa verdade.
Contudo, como a verdade nos advém? Ela é a companheira e a irmã siamesa das duas outras pragas. É fácil entender. Todo mundo precisa falar para se afirmar. A fala implica e veicula uma informação/conhecimento. Estas, portanto, implicam verdade. Uma fala e um conhecimento só são válidos na medida de sua verdade. No fundo, o jogo do falatório e da circulação e formação através das informações/conhecimentos encontra sua aceitação porque são portadores e fundados na aura da verdade. O apelo mais profundo em nós é sempre da verdade, porque ela implica o real e o que somos. Tanto assim é verdade, que julgamos o real como sendo o verdadeiro e o verdadeiro como sendo o real. Isso não teria o menor perigo nem se tornaria uma praga, se por detrás de todo falatório e sua justificação e validação não estivesse a verdade. O mesmo acontece com a informação/conhecimento. Um veículo de informação, um canal de televisão, uma revista, um jornal etc, vive e sobrevive na proporção da sua credibilidade. A perda desta implica a falência. A verdade se torna o valor mais agregado que possibilita o ganho e a circulação. Já imaginou o leitor o que aconteceria com os cientistas e seus planos, projetos e pesquisas multibilionárias, se a verdade da ciência perdesse a credibilidade? A verdade é o maior trunfo da ciência, não o que produz. Pois a ciência vive e sobrevive, no que diz respeito à verdade, de uma falácia , ou seja, de uma verdade aparentemente verdadeira, mas que é falsa. A verdade da ciência muda de acordo com a teoria e o tempo de validade das teorias e alcance das pesquisas. O que hoje afirmam, novas pesquisas podem dizer amanhã exatamente o contrário. O que é válido para uma disciplina não é válido para outras. Quando o conhecimento não dá conta de algo, vira exceção, jamais será admitido tal conhecimento como falso. O interessante é que o falso passou a ser tudo que não está de acordo ou se reduz ao conhecimento científico, pois a ciência jamais pode ser falsa. Ela é sempre verdadeira, nem que a sua verdade dure até que seja provada a sua falsidade.
Contudo, não é só a ciência que vive da verdade. Cada fala e produções estéticas vendem de acordo com sua verdade, o alcance da sua verdade. Não importa que esta seja passageira e que até passe e mude de acordo com o poder de venda e interesses comerciais em jogo, por envolvimento e convencimento da propaganda, que acaba, em muitos casos, provocando a própria e prévia vivência estética: importa que seja real e verdadeira. Não o real e verdadeiro do que consome, mas a verdade de que é portador o produto consumido, o seu poder de provocar vivências e experiências estéticas.
Mas há uma outra verdade mais dissimulada e aparentemente mais verdadeira, porque resultado do falatório infernal e do medo que desperta nos outros, porque parece responder e corresponder à nossa fragilidade, angústia e ânsia, perante o mistério do real e da morte. É a verdade dos pregadores, dos porta-vozes de seu próprio deus , dos gritos e envolvimentos emocionais, qual nova catarse coletiva. É a verdade dos caminhos fáceis, das pequenas igrejas, grandes negócios, do templo é dinheiro. É a verdade única e total, dos ventríloquos vendedores de frases feitas e acabadas, que tudo explicam e solucionam como milagres miraculosos: angústias, medos, solidões, falta de dinheiro e emprego, perdas familiares ou amorosas, ansiedades, o que for necessário vender ou comprar.
Mas será que existem tantos deuses e verdades quantas são as religiões? Isto não é secundário, porque umas se combatem às outras, afirmando cada uma que seu deus é mais forte e verdadeiro. Como na ciência também não importa esta falácia. As religiões e suas verdades, como as da ciência, são falácias. As verdades político-ideológicas são cada vez mais falácias. Estas estão irreversivelmente ladeira abaixo. Verdade ou falácia, qual a diferença? Nenhuma. Não. Há uma mais fundamental: falácia não vende. E diga-se mais: o modelo avaliador ou paradigma fundador de veracidade e legitimação não há. Por isso, o paradigma avaliador, a medida pela qual se classifica algo como falácia é produzido pela própria verdade. Uma verdade que deixa de ser verdade é que se denomina falácia. A verdade do materialismo e do niilismo não é menos falácia.
Como em toda praga, não se pode querer eliminar a verdade. Cada um precisa da verdade para ser o que é, como precisa da fala do silêncio e do sabor da sabedoria. Daí que as pessoas, ao procurarem avidamente a verdade, seja ela qual for e onde estiver, são movidos, no fundo e sempre, pelo mesmo impulso e apelo: a verdade. Daí a sensação e a certeza interna da presença e existência de uma verdade, a verdade que cada um é. Mas, então, como se diferencia esta verdade da praga da verdade? A resposta a esta verdadeira questão não gostamos de ouvir, porque ela exige, como no caso do conhecimento e do falatório, a renúncia.
Porém, já sabemos, renúncia não tira, dá, nos devolve ao ser que nos foi doado e que não nos advém do que temos como ter externo – as vivências e bens. Qual a verdade que a renúncia nos dá? A não-verdade. Este “não” da não-verdade não é um “não” negativo. É um apelo de renúncia e abandono dos limites dos conceitos, com os quais se constrói a verdade dos sistemas e religiões. A verdade, para ter o poder operante em cada sistema e não se esgotar em cada um deles, só pode ser a não-verdade. Assim como o Deus que concede realidade à legitimidade e veracidade de cada religião e funda cada fé e a fé de cada um só pode ser o Não-deus. Este, por ser Não, é inominável como o silêncio e a sabedoria. A Ele só cabe o nome do não-conhecer, do não-nomear, do não-ver: mistério vivo e pulsante, nada e fonte de tudo.
Um tal mistério sempre adveio na não-verdade de todas as grandes obras poético-sagradas. Impulsionados pelo apelo inominável da não-verdade, todos os grandes poetas sempre responderam e corresponderam com suas obras – desajeitada e incompleta resposta – à manifestação concreta da poiesis como não-verdade. E nisso e por isso todas as grandes obras, sejam dos poetas, sejam dos que receberam o apelo de anúncio do mistério, proclamam a verdade da não-verdade.
A não-verdade é sabedoria do silêncio.
A sabedoria é o silêncio da não-verdade.
O silêncio é a não-verdade da sabedoria.
Poiesis: sabedoria, silêncio, não-verdade.
Sendo, nos libertamos para ser o que nos é próprio como apelo da escuta: poiesis de libertação, de sabedoria, do silêncio, da não-verdade.
Manuel Antonio de Castro (*)
____________
(*) Professor de Teoria Literária e titular da cadeira de Poética da UFRJ.