Posfácio de Teoria da Literatura: uma introdução
(Fragmentos)

                   (...) "Pós-modernismo" trata-se sem dúvida do termo mais ruidosamente promovido pela teoria cultural de hoje — um termo que, em sua promessa de tudo abranger, de Madonna à metanarrativa, do pós-fordismo à ficção sensacionalista, ameaça, assim, sucumbir ao peso da trivialidade. Em primeiro lugar, podemos estabelecer uma distinção entre "pós-modernidade", um termo mais abrangente, histórico ou filosófico, e "pós-modernismo", um termo limitado, de matiz mais cultural ou estético. Pós-modernidade significa o fim da modernidade, no sentido daquelas grandes narrativas de razão, verdade, ciência, progresso e emancipação universal que, como se acredita, caracterisam o pensamento moderno a partir do Iluminismo. Para a pós-modernidade, essas promissoras esperanças não foram apenas historicamente desacreditadas; eram ilusões perigosas que, desde o in´cio, colocaram as ricas contingências da história numa camisa de força conceitual. Esses esquemas tirânicos tratam a pontapés a complexidade e a multiplicidade da verdadeira história, erradicam brutalmente a diferença, reduzem toda diversidade a uma árida igualdade, e quase sempre resultam em uma política totalitária. São ilusões que, ao fazerem flutuar ideais impossíveis diante de nossos olhos, nos afastam de todas as mudanças políticas modestas, porém eficazes, que temos reais condições de criar. Envolvem a crença perigosamente absolutista de que a variedade e a contingência de nossas formas de vidas e de nosso conhecimento possam estar assentadas em algum princípio único, supremo e incontestável: a razão ou as leis da história, a tecnologia ou os modos de produção, a utopia política ou uma natureza humana universal. Para a pós-modernidade "antifundacionalista", por outro lado, nossas formas de vida são relativas e não-fundadas, bastam-se a si mesmas e são feitas de mera convenção e tradição cultural, sem nenhuma origem identificável ou finalidade grandiosa. (...) A vida humana não se caracteriza por uma totalidade e uma racionalidade dominadores, um centro fixo, uma metalinguagem que possa apreender sua infinita variedade; há, apenas, uma pluralidade de culturas e narrativas que não podem ser hierarquicamente ordenadas ou "privilegiadas" e que devem, portanto, respeitar a inviolável "diversidade" de maneiras de fazer as coisas que não lhe são intrínsecas. O conhecimento é subordinado aos contextos culturais, de tal modo que afirmar que se conhece o mundo "como ele é" não passa de uma quimera - não apenas porque nosso conhecimento é sempre uma questão de interpretação parcial, partidária, mas porque o próprio mundo não é, de modo algum, particular. A verdade é o produto da interpretação, os fatos são construções do discurso, a objetividade é aquilo que qualquer interpretação questionável das coisas tenha conseguido impor, e o sujeito humano é uma ficção, tanto quanto a realidade que contempla - uma entidade difusa e autodividida que carece de qualquer natureza ou essência fixa. Em tudo isso, a pós-modernidade é uma espécie de nota de rodapé acrescida à filosofia de Friedrich Nietzsche, que antecipou quase todas essas posições na Europa do século XIX.
                   O pós-modernismo propriamente dito pode, então, ser visto de modo mais apropriado como a forma da cultura que corresponde a essa visão do mundo. A obra de arte pós-moderna típica é arbitrária, eclética, híbrida, descentralizada, fluida e descontínua, lembra o pastiche. Fiel aos princípios da pós-modernidade, rejeita a profundidade metafísica em favor de uma espécie de superficialidade forjada, jocosidade e falta de afeto; é uma arte de prazeres, superfícies e intensidade fugazes. Por desconfiar de todas as verdades e certezas estabelecidas sua forma é irônica e sua epistemologia relativista e cética. Por rejeitar toda tentativa de refletir uma relaidade estável para além de si mesma, existe, de modo autoconsciente, no nível da forma ou da linguagem. Por saber que suas próprias ficções são infundadas e gratuitas, pode atingir uma espécie de autenticidade negativa apenas ao alardear sua irônica consciência desse fato, pervertidamente chamando atenção para seu próprio status de artifício construído. Impaciente com toda identidade isolada, e desconfiada da noção de origens absolutas, chama atenção para sua própria natureza "intertextual", sua reciclagem paródica de outras obras que, por sua vez, nada mais são que o resultado de tal reciclagem. Uma parte daquilo que parodia é a história passada — uma história que já não pode ser vista, em termos lineares, como a cadeia de causalidade que produz o presente, mas que, a exemplo de um sem-número de matérias primas arrancadas de seu próprio contexto e remendadas com o contemporâneo, existe numa espécie de presente eterno. Por último, e talvez mais caracteristicamente que tudo o mais, a cultura pós-moderna volta sua aversão por limites e categorias fixos para a tradicional distinção entre "grande arte" e "arte popular", desconstruindo o limite entre elas ao produzir artefatos autoconscientemente populistas ou comuns, ou que se oferecem como mercadorias para o consumo enquanto fonte de prazer. Como a "reprodutibilidade" de Walter Benjamin, o pós-modernismo porcura destruir a aura intimidadora da alta cultura modernista com uma arte mais vulgar e de fácil utilização, desconfiando de todas as hierarquias de valor por considerá-las privilegiadas e elitistas. Não há o melhor ou o pior, apenas o diferente. Na tentativa de transpor a barreira entre arte e vida comum, o pós-modernismo parece a alguns o ressurgimento, em nosso tempo, da vanguarda radical que tradicionalmente perseguia esse objetivo. Na publicidade, na moda, no estilo de vida, nos shopping centers e nos meios de comunicação de massa, a estética e a tecnologia finalmente se haviam interpenetrado, enquanto a vida política se transformara numa espécie de espetáculo estético. A impaciência do pós-modernismo com as avaliações estéticas convencionais assumiu uma forma tangível nos chamados estudos culturais, que se desenvolveram rapidamente ao longo da década de 1980, e que no mais das vezes se recusavam a respeitar as distinções de valor entre o soneto e a novela de televisão.

Terry Eagleton

Do livro: Teoria da Literatura: Uma introdução. Trad. Waltensir Dutra, fls. 316-319, Martins Fontes, 5ª ed., 2003, SP

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