Coivaras e biodiversidade no semi-árido brasileiro

No nordeste seco, a prática useira e vezeira de brocar espécies da flora da caatinga antes da chegada do período chuvoso no semi-árido nordestino, provavelmente é uma herança indígena, embora a primitiva agricultura itinerante dos antigos povoadores da região não fosse tão prejudicial como a verificada até hoje nos rincões adustos do sertão castigado pelas secas.

Normalmente o homem sertanejo do campo começa a amontoar vegetação do bioma caatingueiro a partir do mês de setembro, visto que o inverno no semi-árido, quando regular, se estende de janeiro a junho. O plantio começa a ser feito geralmente no mês de dezembro, após ter sido completado todo o processo de coivaras.

Por intuição, espécies da fauna caatingueira, escondem-se nos montes de gravetos e lá fazem morada. Em geral, são animais de pequenos portes que escolhem esses locais para habita-los, como preás, mocós, camaleões, teiús, etc.

As coivaras se responsabilizam por impressionante diminuição da biodiversidade no semi-árido, pois além de reduzir drasticamente o número de espécies da flora, também atinge a fauna, reduzindo-a a cinzas quando da efetivação das queimadas.

Poucos animais conseguem sobreviver à ação violenta das chamas, perecendo a maioria. Recrudesce-se, assim, a impactação ambiental em razão de que a necessária harmonia na articulação ecológica é seriamente comprometida em virtude de que ecossistemas são danificados e a biodiversidade dizimada implacavelmente.

Há uma simbiose indissociável entre fauna e flora em uma região cujas características de solo e clima são ímpares. O impacto ambiental fomentado pela intensa antropização no semi-árido tem suscitado o surgimento de dados extremamente preocupantes, referentes ao processo de desertificação que assola a região.

Nesse ensejo, a prática das coivaras, extremamente disseminada no semi-árido, verificada em todo polígono das secas, a qual exige o amontoamento de vegetação e posteriormente, por falta de cuidados simples, atinge inexoravelmente a fauna de pequeno porte, bem como também espécies de médio porte, as quais se adaptaram ao bioma caatingueiro, tem se responsabilizado por momentos de extrema amargura e preocupação aos que defendem a necessidade da preservação ambiental no semi-árido, o que se constitui em uma das premissas do desenvolvimento sustentável.

A situação no nordeste seco, bem como no norte de Minas, é tão séria que Celso Furtado, economista paraibano que deixou importantes tijolos para a construção do conhecimento no Brasil, prescreveu que a solução para que o semi-árido se recupere a médio prazo seria o despovoamento da região.

Anos após anos há o sacrifício da biodiversidade no semi-árido devido às coivaras. Essa prática, além de irracional, é extremamente perniciosa, tanto para a macro como para a micro-flora, bem como para a fauna, sensivelmente diminuída graças aos impactos ambientais, à caça predatória, e, principalmente, devido ao intenso e injustificável desmatamento.

Com absoluta certeza, orientações agronômicas corretas e bem direcionadas, como as prescritas por Guimarães Duque, José Augusto Trindade, João da Costa, Benedito Vasconcelos Mendes e Jerônimo Vingt-un Rosado Maia, entre outros, além de um pragmático trabalho de educação ambiental, poderiam tornar viável a continuidade da existência de espécies vegetais e animais em risco de extinção no semi-árido brasileiro.

Os gravetos que são queimados podem se transformar em excelentes adubos caso haja implementação para que o legado das coivaras seja gradativamente eliminado da cultura local. Ensinar ao agricultor sertanejo a enterrar a vegetação ao invés de brocá-la pode ser uma solução simples para os graves problemas constatados com a prática das coivaras. O meio-ambiente natural seria menos penalizado e, com certeza, teríamos melhores e mais produtivas safras anuais. Necessitaria-se ainda que houvesse fomento dos poderes público e privado para enfatizar-se introdução de novas tecnologias acessíveis ao homem do campo que labuta em agriculturas de subsistência no semi-árido.

Persistindo a prática, visto que o processo de educação ambiental é realmente lento e gradual, a solução, a curto prazo, seria o desalojamento dos animais antes das coivaras, utilizando-se de métodos simples, como soltar fogos de artifícios no meio dos gravetos ou afugentar as espécies como técnicas diversas. Basta apenas amor no coração dos homens, pois também dependemos, obviamente, da natureza e de todas as formas orgânicas e inorgâncias que esta apresenta.

Desenvolvimento sócio-econômico e respeito aos limites dos ecossistemas se constituem nas bases que definem o desenvolvimento sustentável, com certeza única saída para evitarmos o colapso global em razão de que a intervenção antrópica dinamizou-se tão extraordinariamente que as marcas impressas na natureza são nítidas e preocupantes, fomentando um redimensionamento da forma como se tem efetivado a atual fase do modo de produção capitalista.

José Romero Araújo Cardoso

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(*) O autor é Professor adjunto do departamento de geografia da UERN e assessor da Fundação Vingt-un Rosado/Coleção Mossoroense. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Membro da Agência de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste – ADESNE e do Instituto Cultural do Oeste Potiguar – ICOP.

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