A vida ordinária como destino
(fragmento)

(...) Há uma poética da banalidade, poética que encobre uma carga de intensidade. De minha parte, veria aí uma reserva de energia societal de onde se nutriria, para sustentar-se, a sociedade de base. Espécie de lençol freático invisível, mas necessário — e quanto! — para a perduração coletiva. R. Caillois fala, em outro contexto, da "aventura da monotonia". A expressão é bem-vinda para descrever esse conservatório que é a vida de todos os dias. Um tesouro se encontra aí escondido: ainda falta, no quadro de um saber orgânico, revelá-lo a si mesmo. E para isso, não o desdenhemos a priori. Assim, seguindo o ciclo misterioso das histórias humanas, à fascinação do futuro ou à busca louca das origens sucede, às vezes, a aventura do presente. E podemos nos perguntar se os cavaleiros do Graal pós-modernos não são, justamente, os aventureiros do cotidiano, que já não projetam suas esperanças em hipotéticos ideais distantes, mas que se dedicam a viver — no melhor dos casos, de uma maneira qualitativa — o dia-a-dia como uma forma de intensidade existencial.

Michel Maffesoli

Do livro: O instante trágico - o retorno do trágico nas sociedades pós-modernas, Zouk, 1ª ed. 2003, SP, trecho de fls. 57, cap. II.

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