Culturas populares, velhas e novas
(três fragmentos)
(...) Afirma-se que a escola não estava preparada para o advento da cultura audiovisual. Nem os programas nem as burocaracias educacionais foram modificados com velocidade comparável à das transformações ocorridas nos últimos anos. Tudo isto é verdade. A questão nã passa apenas pelas condições materiais de equipamentos, que as escolas mais ricas de gestão privada podem encarar e, em muitos casos, resolver das maneiras mais estapafúrdias. Comprar um aparelho de televisão, um videocassete e um computador pode representar um grave obstáculo para as escolas mais pobres (que são milhares) em qualquer país latino-americano. Suponhamos, de todo, que a Sony e a IBM decidam praticar a filantropia em escala gigantesca. Ainda assim o problema que pretendo identificar permaneceria, justamente porque não se trata apenas de uma questão de equipamento técnico e sim de mutação cultural.
(...) A rapidez de leitora do videoclipe e a mão leve essencial para o videogame não habilitam para a capacidade intelectual de longa conentração num ponto determinado do monitor do mais simples dos computadores, que como todos sabemos, é necessária para resolver até os mais banais problemas levantados pelo uso dos mais banais programas. Muito menos preparam para o manejo de programas sofisticadíssimos, como o hipertexto, que em pouco tempo será relativamente acessível. A incorporação da informática, aplicada ao aprendizado de qualquer disciplina, requer habilidades ausentes no Nitendo: leitura de sintaxes hierarquizadas e complexas, menos rapidez, menos confiança nos reflexos motores, menos impaciência, resultados a longo prazo, toda uma narrativa de ocorrência, do teste e do fracasso que é oposta à rapidez de resultados do viedoclipe e do videogame, embora os usuários lúdicos tenham com a máquima uma relação menos distante e mais audaz que seus pais e professores. (...) A aprendizagem é um processo de aquisição de difrenças, exploração do estranho, no qual a primeira lição consta das habilidades necessárias para aprender e das condições psicomorais (digamos assim, à falta de melhor termo) imprescindíveis.
(...) O adestramento como espectadores dos programas da Xuxa ou como jogadores de viedogame poe ser utilizado pela escola só até um certo ponto muito inicial. Logo logo, os espectadores da Xuxa deverão tornar-se leitores de uma página que, por mais simples que seja, requer habilidades ausentes do mundo da Xuxa.
Beatriz Sarlo
Do livro: Cenas da vida cotidiana = Intelectuais, arte e videocultura na Argentina, trad. Sérgio Alcides, Editora UFRJ, 3ª ed., 2004, RJ