NÃO DERAM OUVIDO AO BARATA
Se tivessem dado atenção a Barata Ribeiro, primeiro prefeito do Rio de Janeiro e nome de uma rua que atravessa o bairro de Copacabana, é bem provável que a cidade fosse bem diferente do que é hoje, sem o verdadeiro caos que é a ocupação do seu solo.
O Brasil tinha acabado de virar república e o Rio de Janeiro, que era capital do extinto império, assumia a mesma posição no novo regime. Nomeado pelo presidente Floriano Peixoto, logo após o surgimento da Lei Orgânica do agora Distrito Federal, o médico baiano Cândido Barata Ribeiro inaugura o título de prefeito da cidade, com atribuições e responsabilidades maiores do que a do antigo Intendente Municipal.
Logo ao assumir, em 19 de dezembro de 1892, Barata Ribeiro começou a combater aquele que, para ele, era um dos principais problemas da cidade: a ocupação desordenada gerada pelas moradias ilegais, que se acumulavam nos cortiços. O principal argumento do prefeito era a proliferação de doenças nestas montanhas de casas sem nenhuma infraestrutura decente e com péssimas condições de higiene. Lembremos que o primeiro prefeito do Rio era médico.
Como solução emergencial, Barata Ribeiro assinou decretos que proibiam a construção de imóveis sem autorização e iniciava uma espécie de regulamentação dos cortiços que já existiam. Para resolver o problema a médio e longo prazos, ele esboçou alguns planos de urbanização para a cidade.
A demolição do cortiço mais famoso da cidade, o “Cabeça de Porco”, em 26 de janeiro de 1893, foi o principal acontecimento da gestão de Barata Ribeiro. O cortiço levava esse nome por ter ornamentada uma figura de cabeça de porco na entrada, ficava na rua Barão de São Félix e abrigava também galinheiros, chiqueiros e cocheiras. Já fazia um ano que uma ala inteira do cortiço tinha sido interditada pela Inspetoria Geral de Higiene. O jornal “Gazeta de Notícias” anunciava que em torno de 400 pessoas moravam no “Cabeça de Porco”, enquanto outros jornais indicavam dois mil. Como acontece hoje em moradias interditadas pela Defesa Civil prestes a ser demolidas, muita gente se recusou a sair do cortiço, só indo embora mesmo quando a demolição começou e o pessoal teve que sair correndo, sob risco de ser soterrado junto com muitos móveis que não foram retirados a tempo. Como prêmio de consolação, o prefeito permitiu que os moradores tirassem a madeira de suas casas para que fosse aproveitada em novas construções.
E onde seriam estas novas construções? Sem ter para onde ir, sem qualquer tipo de indenização, e com a vida girando em torno do centro da cidade, muitos dos moradores expulsos do “Cabeça de Porco” acabaram construindo seus casebres ali pertinho, no morro que seria mais tarde conhecido como morro da Favela e, depois, da Providência.
O famoso jornalista e ilustrador Ângelo Agostini, que trabalhava na Revista Ilustrada, de muito sucesso no Rio de Janeiro da época, assim resumiu a demolição do “Cabeça de Porco”, fazendo uma irônica alusão ao nome do prefeito da cidade: “Quem suporia que uma barata fosse capaz de devorar uma cabeça de porco em menos de 48 horas? Pois devorou-a alegremente, com ossos, pele e carne, sem deixar vestígios”.
Já Machado de Assis, de forma bem mais sarcástica, assim se referiu à demolição numa crônica: “Gosto deste homem pequeno e magro chamado Barata Ribeiro, prefeito municipal, todo vontade, todo ação, que não perde tempo a ver correr as águas do Eufrates. Como Josué, acaba de pôr abaixo as muralhas de Jericó, vulto Cabeça de Porco”.
Dois outros escritores, no entanto, muito mais ligados às camadas mais pobres da população, fizeram um estudo mais aprofundado sobre a gente que vivia nos cortiços. Segundo Lima Barreto, os homens dos cortiços quase sempre trabalham fora, em profissões bastante humildes, e de dia o cortiço é povoado pelas crianças, que brincam no pátio comum, e pelas mulheres, “sempre às voltas com tinas de roupa”. Já Aluísio de Azevdo fez destas instalações tema de seu livro mais famoso, “O Cortiço”, narrado com profundas doses de realismo.
Para usar uma expressão atual, o autêntico “choque de ordem” imposto por Barata Ribeiro acabou não sendo bem visto pelos senadores da recém-criada república, que consideravam as medidas do prefeito muito duras para a população. O enérgico administrador, no entanto, não abriu mão de suas medidas. Resultado: após 17 meses de governo o Senado rejeitou o seu nome para continuar como prefeito, uma prerrogativa da Lei Orgânica. Barata Ribeiro entregou o cargo em 25 de maio de 1893.
André Luis Mansur