UMA AGRESSÃO À DIVERSIDADE CULTURAL
De vez em quando, talvez na falta do que fazer, alguém inventa algo totalmente fora de propósito. No caso da educação brasileira, quase tudo o que poderia ser teorizado consta de belíssimos e bolorentos relatórios. Isso não é coisa nova, pois até no Império buscava-se copiar o que vinha de fora, como uma típica e desnecessária manifestação de transplantação de cultura.
Tornou-se acesa, no começo do ano, a discussão em torno da implantação de um currículo único nas escolas de educação básica de todo o País. Os argumentos são os mais variados, entre eles o de que assim não se prejudicará a criança ou o jovem que necessitar transferência de um estado para outro.
A tão decantada diversidade cultural do Brasil, que levou grandes escritores, como Gilberto Freyre, a proclamar a existência de vários brasis em regiões diferentes, foi deixada de lado. Os autores da iniciativa querem um só Brasil, de Norte a Sul, como se isso fosse possível. Não cola o argumento de que serão deixados 30% dos currículos para serem determinados pelos conselhos estaduais e municipais de educação. Isso cheira a uma perigosa centralização.
Parece que alguns educadores, que não tiveram a experiência da ditadura Vargas, sentem saudade do que não conheceram. Havia o livro único, sintoma claro da falta de liberdade dos nossos escritores, além de um controle inviável por parte do então Ministério da Educação e Saúde. Trabalhava-se com medo de desagradar aos poderosos – e isso podia dar até cadeia.
Quando se perde um tempo precioso na discussão desse tema, esquece-se uma questão essencial: há uma clara desnacionalização de algumas das principais editoras brasileiras, que estão sendo adquiridas por firmas espanholas, portuguesas, inglesas e americanas. Quando não é a totalidade das ações, é uma espécie de parceria em que perdemos o comando. Nossos intelectuais, tão ciosos na defesa dos interesses nacionais, estão quietos em relação a esse processo galopante de alienação.
Há um pormenor que nos angustia: a compra de livros didáticos por parte do governo brasileiro. São grandes aquisições, de milhões de livros, que ficam sob a orientação de firmas estrangeiras. São os seus diretores que irão nortear o que se deve fazer para melhorar o ensino da língua portuguesa? No momento em que se pretende valorizar a cultura africana, nas lições de história, entregamos a elaboração dos nossos livros a um poder alienígena? Não basta argumentar que os autores serão brasileiros. Eles estarão submetidos a uma orientação que não é nossa. Se caminharmos para o currículo único, mais fácil será ainda a conquista das mentes dos nossos estudantes, pois não haverá a oferta democrática de opções, nas diversas disciplinas que compõem a grade curricular. Convém pensar também no destino das pequenas e médias editoras brasileiras, que certamente serão sufocadas por esse perigoso sistema. Fica o alerta.
Arnaldo Niskier