MANIFESTO MASCULINISTA
Masculinismo é a palavra nova que aponta o caminho da masculinidade sem machismo. A partir dela, e sob a forma de um manifesto, o autor satiriza os padrões asfixiantes que envolvem a condição humano-masculina nos dias atuais. Com humor ferino, sem vitimismo nem arrogância, são apresentadas reivindicações e propostas para uma convivência mais solidária entre os diversos segmentos sexuais.
Contra: o terror machista; a ditadura clitoriana; o autoritarismo gay.
Sarro inicial/prefácio
O Manifesto Masculinista tornou-se público em setembro de 85, nas páginas do “Rei da Notícia”, jornal de humor editado no Recife até 1988. Posteriormente reproduzido no Pasquim (ed. 848, Rio 10/10 a 16/10/85), estimulou o manifesto do MMC – Movimento Masculinista Carioca. Foi comentado em artigo da Palyboy (ed. 34, set/86), transcrito com algumas alterações no jornal feminista Mulherio n° 25, SP, março-agosto/86, indicado no “TIL Notícias” n° 3, dezembro/86, das Edições Trote, resenha editada por Leila Miccolis no Rio; Jean Claude Nahoum o transcreveu no livro “A Construção da Sexualidade Feminina”, da Eleá Ciência Editorial Ltda, Rio 89. Em cidade sulista de que não me recordo, um vereador petista o imprimiu como instrumento de campanha eleitoral, em 88. De vez em quando, sei da sua multiplicação em cópias xerográficas ou mimeografadas.
Quatro anos depois de ser lançado, o texto foi republicado no Jornal do Commercio, Recife, edição 4-9-89. Na ocasião, assinalei em entrevista a inclusão da licença-paternidade na Constituição Federal de 88 e toquei na questão da AIDS, colocada em primeiro lugar nas paradas do sucesso mórbido e atribulando, particularmente, o segmento masculinista dos refratários ao preservativo.
Relendo hoje o manifesto, considero-o válido como documento de instigação e não me proponho a alterá-lo. Nesta edição, apenas, ligeiras novidades, como o esclarecimento de que a “opção fundamental” pelas mulheres é fundamental e exclusiva, a “liberação da lágrima masculina” posta em local mais adequado, a “Nova República do machismo” trocada pelo respectivo “neoliberalismo”, o acréscimo de que, “nas coisas de coração e cotovelo”, todo homem é igual a qualquer mocinha.
Além de se reivindicar: a plena igualdade de acesso homem/mulher, usando-se bermudas e camisetas sem mangas; a condição de “primeiros cavalheiros”, com direito à Legião Assistencial competente, caso companheiros de prefeita, governadora ou presidenta; o fim do serviço militar obrigatório e exclusivo para homens.
No texto se rejeita o modelo de masculinidade que nos é imposto desde criancinhas, propondo-se uma masculinidade sem machismo. O que não tem nada a ver com tiradas tipo: “lado feminino” do homem para qualificar suas expressões de leveza e ternura é tão primário e ridículo quanto se atribuir a um pretenso “lado masculino” da mulher, suas impulsões de combatividade e firmeza.
Masculinistas desumildes e desarrogantes, proclamamos que nossa condição humana é o melhor de nós e rejeitamos todas as fórmulas simplificadoras para interpretar o nosso gênero e equacionar as possibilidades do bem-estar humano-masculino.
Recusamo-nos a substituir a imitação mecânica do pai-herói machão pelo macaqueamento da super-mãe liberada. Negamos que a solução dos problemas dos homens venha a ser um resultado ou uma dádiva da luta das mulheres. Entendemos que só os masculinistas libertarão os masculinistas, em solidariedade suprema com as companheiras mulheres a abertos a todos os segmentos/movimentos libertários. Afinal de contas, trata-se de elevar a taxa de felicidade para todos.
Recife, outubro de 1991
Marcelo Mário de Melo
Cabecinha
Nas questões ligadas à discriminação e aos papéis sexuais, as mulheres já estão na sua, os homosexuais idem, os bi também, e até os machões se organizam e se solidarizam, como se viu no caso daquele cara que ferrou a mulher no rosto e teve apoio da Associação dos Maridos Traídos, fundada no Ceará. Todos os setores se mobilizam. E como ficamos nós, que não somos mulheres, nem homosexuais, nem bi, e rejeitamos o modelo machista que nos é imposto desde criancinhas como a marca da masculinidade? A resposta está no masculinismo – uma movimentação crítico-autocrítica, reivindicativa, desfrutativa, solidarista e convivencial.
Sabendo que de carta de princípio e discursos generosos a humanidade já está de sacos e ovários repletíssimos, colocamos os dedos nas feridas através de um manifesto e proclamamos, indicativamente, o que rejeitamos e pretendemos transformar para viver melhor.
Começo de penetração
MMN - Movimentação Masculina Nordestina.
Símbolo: um cacto ereto ou em repouso.
Observação: um cacto sem espinhos.
- contra o terror machista.
- contra a ditadura clitoriana.
- contra o homosexualismo autoritário.
- pela reconciliação do espermatozóide com o óvulo.
Renunciamos a todas as prerrogativas do poder machista.
Que omem seja escrito sem "H".
Não nos consideramos superiores nem inferiores às mulheres, aos homosexuais e aos bi: somos diferentes e iguais.
Rejeitamos todos os modelos pré-fabricados de sexualidade, caretosos ou vanguardeiros, partindo de três princípios: 1) carência não se inventa; 2) receita, somente de bolo; 3) vanguarda também é massa.
Somos solidários com qualquer saída (ou entrada) sexual que a humanidade venha a inventar e curtir, desde que não haja imposição e violência. E exigimos que se respeite a nossa opção fundamental: gostamos é de mulher.
Aprofundando a entrada
- Abaixo o guarda-chuva preto. Não somos urubus.
- Abaixo as exigências do paletó e da gravata.
- Contra o relógio bolachão.
- Pelo direito de mijar sentado.
- Pelo respeito ao pudor masculino: mictórios privativos.
- Pelo amparo aos pais solteiros e abandonados pelas mulheres amadas desalmadas: creches nos bares.
- Queremos pensão por viuvez, auxílio alimentação e licença paternidade.
- Não amamentamos mas podemos trocar fraldinha.
- Pela liberação da lágrima masculina
- Contra o fechamento do mercado de trabalho aos homens: queremos ser secretários, telefonistas, babás, etc.
- Não queremos ser "chefes" de família nem regentes sexuais. Igualdade fora e em cima da cama.
- Queremos trepar mais por baixo.
- Queremos ser tirados pra dançar.
- Queremos ser cantados e comidos.
- Pelo nosso direito de dizer não sem grilos nem questionamentos da nossa masculinidade.
- Pelo direito de brochar sem explicação. Mulher também brocha. Aquele ou aquela que nunca brochou que atire a primeira pedra.
- Abaixo a máscara da fortaleza masculina. Queremos ter o direito de assumir nossas fragilidades.
- Abaixo o complexo de corno. Por que mulher não é corna? Fidelidade ou infidelidade recíproca.
- Cavalheirismo é cansativo e custoso. Delicadeza é unisex. Que seja extinto o cavalheirismo ou se instaure, também, o damismo.
- Queremos receber flores.
- Exigimos a modificação do Pai Nosso:
a) Pai e Mãe nossos que estais no céu...;
b) bendito seja o fruto do vosso ventre, do nosso semen.
- Pela capacitação dos homens, desde a infância, para as tarefas tidas como "essencialmente feministas". Reciclagem geral. Queremos aprender corte e costura, culinária, cuidado de crianças etc. Em contra partida, ensinaremos às mulheres: trocar pneu de carro, bujão e fusivel; dar porrada, atirar e espantar ladrão; matar barata e rato.
- Pela paternidade responsável e contra a gravidez e os filhos serem utilizados como elementos de chantagem sentimental sobre nós.
- Pelo respeito à intuição masculina.
- Denunciamos a utilização depreciativa das expressões "cacete", "caralho", "pra cacete", "pra caralho". Exigimos que cada um ou cada uma se posicione: cacete/caralho é bom ou não é? Se é bom, respeitem como ao seu pai ou a sua mãe.
- Protestamos contra o fato do nosso órgão do amor ser representado, simbolicamente, por espadas, canhões, porretes, e outros instrumentos de agressão e guerra. Só aceitamos a simbolização a partir de coisas gostosas e sadias: chocolates, biscoitos, bananas, batons, picolés, pirulitos, etc.
- Denunciamos como principais vias condutoras do machismo: as vovozinhas cândidas, as mulherezinhas dondocas, as mãezinhas possessivas e as professoronas assexuadas.
Empurradinha Final
Considerando que muitos masculinistas trabalham dois expedientes, estudam e frequentam um milhão de reuniões e eventos, sem falar das poligamias possíveis, não iríamos incorrer na atitude fascista de inventar mais uma reunião para a comunidade masculinista. Portanto, o nosso princípio de organização é o seguinte: grupos de um, cada grupo obedece a seu chefe. Assembléias gerais com ego, id e superego. Voto de minerva para ego.
Convencidos de que a perfeição não é uma meta e é um mito, procuramos fazer um esforço no sentido de romper com 70% do nosso machismo atual e acrescentar sempre novos itens neste manifesto, aceitando a contribuição crítica e propositiva de todos os masculinistas e outros segmentos sexuais, preservada a nossa opção fundamental pelas mulheres.
Denunciamos os machões enrustidos, que utilizando o discurso masculinista, pretendem apenas dar os anéis para não perder os dedos: recuam em 30% de machismo para manter os 70%. É a Nova República do machismo.
Somos todos oprimidos. E sendo os homens, estatisticamente, minoritários diante das mulheres, isto já nos caracteriza como minoria oprimida. Nós, homens masculinistas, sofremos a pressão dos machões, das feministas sectárias e dos homossexuais autoritários – o que nos caracteriza como a menor minoria oprimida. Requeremos, portanto, o apoio extremo e a solidariedade máxima por parte da sociedade inservil.
Orgasmo Total
Consideramos que muitos masculinistas trabalham dois expedientes, estudam e freqüentam um milhão de reuniões e eventos, sem falar das poligamias possíveis, não iríamos incorrer na atitude fascistóide de inventar mais uma reunião pra a comunidade masculinista. Portanto o nosso princípio de organização é o seguinte: grupos de um e cada grupo obedece a seu chefe. Assembléias gerais com ego, id e superego. Voto de minerva para ego.
Convencidos de que a perfeição não é uma meta e é um mito, procuramos fazer um esforço no sentido de romper com 70% do nosso machismo atual e acrescentar sempre novos itens neste Manifesto, aceitando a contribuição crítica e propositiva de todos os masculinistas e outros segmentos sexuais, preservada a nossa opção fundamental e exclusiva pelas mulheres.
Denunciamos os machões enrustidos que, utilizando o discurso masculinista, pretendem, apenas, dar os anéis para não perderem os dedos. Recuam em 30% de machismo para manterem os 70%. É o neoliberalismo do machismo.
Somos todos oprimidos. E sendo os homens, estaticamente, minoritários diante das mulheres. Nós, homens masculinistas, sofremos a pressão dos machões, das feministas sectárias e dos homossexuais autoritários mais oprimida. Requeremos, portanto, o apoio extremo e a solidariedade máxima por parte da sociedade inservil.
Tirando de Dentro
Com o objetivo de recolher elementos críticos, este Manifesto foi enviado ao Movimento dos Machões-ões-ões, à Federação das Feministas-Istas, Istas, e a Irmandade dos Homossexuais-Ais-Ais, infelizmente, somos obrigados a publicá-lo sem os pronunciamentos destas entidades, devidos aos contratempos que as atingiram.
No Movimento dos Machõed-ões-ões, o presidente tinha ido a um motel com moça e brochado pela primeira vez. Entrou em profunda crise psíquica e foi internado na clínica psiquiátrica mais próxima, depois renunciar o mandato. Na diretoria do MMOO irradiaram-se a insegurança as brochações e internações generalizadas, não havendo clima para a discussão do nosso Manifesto.
Na Irmandade dos Homossexuais-Ais-Ais, a maioria dos diretores conjugava o verbo na voz passiva e, nas transas de sexta para sábado, só topou com parcerias que tinham ejaculações precoce, instalando-se, também aí, um clima impropício aos eventos analíticos.
Na Federação das Feministas-Istas-Istas chegou a ser convocada e iniciada a reunião, mas, quando o Manifesto ia ser lido e debatido, irrompeu de surpresa na sala um tremendo guabiru, que subiu pelas pernas da presidente e galopou sobre a mesa. Predominando o subconsciente tradicional, houve correria e pânico generalizado – e a Movimentação Masculinista Nordestina deixou de contar com mais essa contribuição.
* Edição do Autor, outubro de 1991, 3 mil exemplares. Capa, programação visual e editoração eletrônica, Paulo Santos. Revisão, Lamartine Morais. Impressão, Gráfica Pernambucana LTDA.
Comentários
“Julguei enriquecer nossa discussão sobre o feminismo um discurso masculino e não-machista, que se intitula “Masculinismo” e foi estampado no Jornal Mulherio, n° 25”.
(Jean Claude Nahoum in “A Construção da Sexualidade Feminina”)
“Li um manifesto maculinista que, em meio à galhofa, diz coisas lúcidas e curiosas, dando boas pistas para as mulheres que querem chegar mais perto do homem.”
(Edith Elek Machado – Playboy 154/86)
“Foi o último Rei da Notícia que transcrevemos um dos m,ais inteligentes textos publicados sobre a chamada Guerra dos Sexos. Eu diria – uma vez que ridiculariza o absurdo das colocações machistas – que é um dos melhores textos feministas escritos por um homem”
( Mara Teresa Jaguaribe – Pasquim 848/85)
“Está é sem dúvida um momento histórico: os homens deixaram de se considerar a humanidade e descobriram-se outra metade, com gostos, preferências, carências. Como todo início de movimento, a MNN (Movimento Masculinista Nordestina) é um tanto radical, queixosa e a acusatória. Temos certeza que, com o passar do tempo, algumas de suas afirmações serão revistas...”
(Jornal Mulherio 25/86)
“O Manifesto Masculinista é um texto de leitura ‘obrigatória' por parte de todos os que lutam em prol de uma sociedade mais justa e libertária”
(Leila Miccolis) POSTADO POR MARCELO MARIO DE MELO ÀS 02:48
"Parabéns pelo Texto Marcelo Mário de Melo, é incrível a quantidade de reproduções deste texto na internet, onde há inclusive, comunidades que discutem em torno deste texto, como eu coloquei no meu blog, este texto têm a importância histórica de ter sido a primeira vez que a palavra "Masculinismo", foi publicada no Brasil, não é difícil chegar a esta conclusão, uma vez que até a década de 80 não havia ninguem que pudesse se interessar pelos problemas que os homens enfrentam, nem mesmo os homens, espero que as pessoas começem a conhecer o que é deverás este movimento que já vêm se formando desde o início do século XX, e veio a dispontar justamente na década de 80, no exterior e com o seu manifesto começou a engatinhar também no Brasil".
(Mauricio Trindade)
Marcelo Mário de Melo
Fonte:
http://humorsempreaesquerda.blogspot.com.br/2008/09/manifesto-masculinista.html
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