Manhã de outono

O sol o acordou. Entre assustado e feliz, percebeu que a chuva tinha acabado. Na última semana, todas as manhãs foram feitas em cinza líquido. Por isso este amarelo infestando seu quarto às oito horas de um domingo o trouxe para a vida. Pensou em dormir mais um pouco, afinal ele merecia. Foram seis dias inteiros respirando a umidade típica dos outonos sulinos. A paisagem monocromática. A vida monocromática.
Não dormiria mais. Se o azul é vitorioso neste domingo, ele precisa compartilhar desta alegria. Levanta-se, abre todas as janelas e portas da casa. Está sozinho, mas este peso não o incomoda. Tem um domingo feito de sol lá fora. A solidão se dissipará neste calor ameno. Fica indeciso se faz o próprio café ou se sai pelas ruas do bairro procurando uma confeitaria. Resolve ir. Pelas ruas, árvores, cães, pássaros. Três mulheres evangélicas seguem na sua frente conversando. Deus deve estar nelas como está neste dia. Há muito perdeu a fé. Este sim, mais que a solidão, é um fardo difícil de carregar. Sabe que amanhã tudo continuará igual, mas agora não, nas próximas horas não é tempo de pensar. Basta o viver.
Sempre andou de carro, esta armadura, este enfeite de metal. Percebe-se pecando contra a rotina. Andando a pé, calmamente, vendo as casas, imaginando a vida que ainda dorme dentro delas. Aquele caminho entre sua casa e a confeitaria sempre esteve ali, mas por que então nunca o percebeu? Por que foi preciso um sol de outono para que ele despertasse? E quantas manhãs de domingo iguais a esta tentaram e não conseguiram demovê-lo de sua insidiosa preguiça? Não, não é tempo para agonias e arrependimentos. A vida o presenteou com esta manhã. Desaproveitá-la com perguntas é idiotice. Aceita e agradece o presente.
Pede um café com leite. Bem quente. Olha os bolos, os confeitos, os pães imersos em sabor. Tão soberbamente arquitetados que dá pena cortá-los. Por mais que tente, não consegue esquecer das vezes que saiu em jejum, das refeições engolidas em pé, tão superficiais e rápidas quanto os amigos que almoçam com ele. Não, não é tempo de lembranças equivocadas. Está ali, fazendo algo novo, inédito na sua vida de homem atarefado, não vai deixar que esta vida se intrometa na manhã azul. Na segunda-feira, ela terá o seu lugar, mas agora é o tempo das pequenas coisas.
Depois do café, continua andando, visita praças, parques, entra por ruas que nem sequer sabia a existência. Vê o movimento da cidade aumentar. Homens lavando o carro, famílias comprando a costela assada para o almoço, crianças jogando bola na rua. Como pôde ser cego a este cotidiano? Ao riso coletivo que impera nesta gente? Não, não é tempo de tristeza, a manhã está findando, o céu desconhece nuvens. Depois do almoço vai abrir a outra parte do presente: uma tarde solar, azulada, festiva. No fim do dia, o presente maior da vida: ele deixará sua alma ver o pôr-do-sol.

Rubens da Cunha

« Voltar