Acabaram as festas de fim de ano e Carnaval. Antes que cheguem os novos feriadões, teremos um pouco de calmaria em março, mas com o calor que ainda fará em muitos lugares do Brasil, como no Rio de Janeiro, onde o verão parece que nunca dá passagem ao outono.
Embora não percebamos o passar das estações, elas seguem um ciclo misterioso de ir-e-vir. Se prestarmos atenção, até perceberemos sutis mudanças ao redor.
Em março começa o outono, época do ano em que não há tantas flores como na primavera, mas há cores e nuances como não vemos em outra estação. Folhas em tons que vão do amarelo ao vermelho parecem concentrar as cores e energias das estações que passaram.
É no outono que vemos os pores-do-sol mais lindos. A lua fica mais linda no outono, inspirando os poetas. Dizem que os haikaístas ficam mais inspirados nessa época:
"Quietude no templo
palavras pescam poemas
à espera da lua"
[Haikai de Teruko Oda]
No outono, a quietude acontece na vida vegetal, como nas folhas que caem cobrindo o chão. Mas o sentido do outono também pode se refletir na vida humana. Nossos dias são breves como as folhas que caem. As tarde curtas do outono convidam ao descanso antes do inverno, assim como a fase madura da vida adulta convida a colher os frutos plantados. É hora de saboreá-los, sejam frutos da vida profissional, amorosa ou familiar. E, melhor, é hora de preparar essa abundância para o recolhimento do inverno.
Os antigos ritos celebrados em Elêusis, na Grécia, tinham como símbolo o mito de Deméter e Perséfone, que explicava o ciclo anual da colheita. Perséfone era filha de Zeus e Deméter, deusa da agricultura. Ainda jovem, Perséfone foi raptada pelo senhor do reino subterrâneo, Hades, que a tomou por esposa. Deméter, desolada, deixou de executar suas tarefas e as terras tornaram-se estéreis.
Para manter o equilíbrio da natureza, Zeus ordenou que Hades devolvesse Perséfone, mas como ela comera uma semente de romã no mundo subterrâneo, não podia ficar totalmente livre. Foi decidido que Perséfone passaria uma parte do ano com Hades (outono e inverno) e outra parte com Deméter (primavera e verão).
Na primavera, Deméter, a terra cultivável, enfeita o mundo para receber sua filha, como uma semente que brota periodicamente. Os Mistérios de Elêusis celebravam as colheitas e a fecundidade da terra.
Passadas as folias, é hora de fazermos a pausa que nos preparará para um renascimento futuro, ou, pelo menos, para as festas que virão novamente para celebrar os ciclos ou simplesmente para troca de presentes.
Se aprendermos com os ritmos da natureza, saberemos que não haverá morte, pelo menos não a morte física. Se há um recolhimento, é para a renovação e preparação da nova vida.
Quando chegar o outono,
quero as folhas
que enfeitam o chão,
húmus vegetal,
começo de árvore
em outra estação.
[trecho do poema "Sabedoria vegetal" da autora]