OS FRACASSADOS


Depois da tarde em que um poeta do sul falava de sua obra, e malgrado sua simpatia e bons versos não vendeu para uma platéia de não mais de meia dúzia de pessoas sequer um livro, ele aproxima-se de uma das participantes, atriz bonita mas desconhecida, com um ar blasé melancólico de quem sabe que é apenas uma criatura entre as criaturas e que nada vale muita ênfase ao ponto. Mostro-lhe meu livro mais na intenção de impressionar do que vender.
— Interessante. Mas tou sem dinheiro. Por que Você não busca fazer um grupo numa livraria qualquer? De repende tu arruma patrocínio. Bonito texto seu.
Olhos verdes. Pele clara. Disse que me escreveria. Quando seu ônibus chegou , perguntou se eu não iria. "Não. Vim apenas acompanhá-la." Senti que sua alma vibrou de gratidão e ternura. Eventos assim fazem que pessoas sensíveis se encontrem. Fiquei pensando que era bom que a civilização acabasse e restasse somente aquela meia dúzia de pessoas do evento. Uma gente mansa, discutindo arte poética, enquanto o inferno do mundo arde em toda parte. O poeta, acostumado a não vender e já com a fome saciada, parece ter entendido que aquelas seis pessoas não tinham dinheiro. Apenas interesse, inteligência e sensibilidade, o que resta de possível. Enquanto penso que vou voltar para meu abandono inadmissível, procuro acender um cigarro, o último do maço, um dos poucos prazeres que tenho tido, malgrado a propaganda de que os fumantes são débeis mentais. Temos que ter sáude para melhor contemplar os vitoriosos da espécie, com sua inteligência, seu poder e a violência no seu mundo de slogans perfeitos. Chego ao ponto e busco acender meu cigarro. Um rapaz, vendendor de bananadas, pede um. Digo-lhe que só tenho aquele. Pede para acender. Como aquele impagável fantasma do filme Ghost, também está doido por uma tragada. Consinto que ele acenda, desde que deixe comigo sua mercadoria, o que fez prontamente. Volta o cigarro aceso e ambos estamos felizes. Estarmos vivos, na noite fria, num aterro do flamengo deserto, o único prazer!
— Quanto é a bananada?
— Dez centavos.
Compro-lhe duas.
— Como você se vê num futuro ? — pergunto-lhe.
— Pô. Quero arrumar um emprego. Isso aqui não é vida não. Minha vida daria um livro. Tu não tem idéia. Fugi de casa com cinco anos por causa do meu padrasto. Hoje moro com uma muher. O Sr. pode me dar mais um trago?
Passo-lhe o cigarro.
— Tem filhos?
— Eu não. Tenho 20 anos. Ela tem dois.
Acho bom Você ficar por ai, meu caro! Vai que não dá certo, já pensou?
— Não. Quero filho não.
— Olha, j á vou. Meu ônibus vem vindo.
— Será que ele deixa eu entrar?
— Deixa eu fazer sinal primeiro, defendi-me pensando que ele poderia fazer eu perder o ônibus. Sempre temos que estar em guarda no mundo civilizado, como na selva mais escura.
Entramos os dois. Passageiros silentes e melancólicos no fim da quinra-feira chuvosa.
— Boa noite, senhores passageiros! Desculpa incomodar o sossego de dua viagem. Trago bananada fresquinha, dez centavos.
Não reparei se ele vendeu mais alguma. Meus pensamentos estavam longe, na minha vida perdida talvez. Ou nos olhos verdes mansos e na pele clara da atriz. O vendedor senta ao meu lado.
— Quanto você ganha?
— Uns vinte reais.
— Dá pra tirar isso?
— Dá sim. De duas às dez. De manhã ninguém come doce, quer café, algo assim. Fico no máximo até dez horas.
— É. Mais acho bom você estudar. Fazer um curso.
— De quê?
— Sei lá. Faz mecânica de auto. Eletricidade. Todo mundo precisa de mecânico e eletricista. Você tem geladeira em casa?
Ele sorri, malicioso.
— Tenho. Tenho televisão.
— Você gosta de televisão?
— Quem não gosta de televisão?
Na Central do Brasil ele desce.
— Tchau, irmão!
— Tchau. Vai com Deus.
— Fica com Deus também.
Penso num lapso de ternura que o rapaz gostou de mim. Também o admiro. Não teria coragem de vender bananadas.
Volto ao meu silêncio e a meus temores. Não sei quanto tempo falta ainda o mundo acabar nas mãos dos felizes. Fico pensando que os salvos do mundo poderiam ser os fracassados que se encontram em eventos vazios, sem dinheiro nem armas. Atrizes e escitores sem trabalho. Ah, sim. E vendedores de bananadas. Enfim, os inofensivos.
Comprei dois pãezinhos e fui para casa com minha pobreza, depois de olhar por um bom tempo para os pães doces. Mas esses ficam para os felizes.

Marcelino Rodriguez

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