É de fazer chorar

No carnaval do Recife deste ano, não teve gato na tuba. O som rolou livre e solto e na escala de dó o músico executou com maestria os compassos seguros da marcação do frevo.
Porém, se na tuba não teve gato, teve o gajo executando a inspiração gaiata de parodiar o lema positivista do nosso símbolo pátrio. Deu bandeira. “Desordem e retrocesso” foi a palavra de ordem.
Para usar uma palavra do agrado do poeta caruaruense Demóstenes Felix, eu diria que o Carnaval é DESCONSTRUÇÃO.
Carnaval é permissividade, e assim sendo faz com que as pessoas dispam-se dos estereótipos e passem a viver, de forma lúdica, outros personagens.
No Carnaval, podemos até mesmo assumir o papel de antípoda de nós mesmos, sermos o OUTRO. E sendo o outro, encurtarmos as distâncias conceituais, fazer cair por terra as máscaras do faz-de-conta, as convenções e as normas que regem a sociedade.
Assim sendo valem as sátiras sociais, as críticas políticas, a mudança dos costumes, a transmutação do indivíduo. Vale a catarse.
Por isso, é de fazer chorar quando o dia amanhece e obriga o frevo a acabar. Por isso, a quarta-feira de cinzas é sempre tão ingrata: retornamos à realidade, repomos as indumentárias neurotizantes do dia-a-dia, reassumimos os papéis que nos são impostos pela vida e aos quais nem sempre escolhemos.
Enfim, deixando de ser o outro, voltamos a ser nós mesmos e nós perdemos novamente. Deixamos de ser curvas e voltamos e ser retos. Assim, reconstituímos a “ordem” e o “progresso” até que venha o próximo carnaval.

Clóvis Campêlo

« Voltar