Outono de 1970
Sentada na calçada de minha casa via o movimento da rua. O céu estava tão lindo, as nuvens brancas passeavam e se cumprimentavam no ar.
Eu ficava olhando as formas que elas faziam. Hora tinham cara de palhaço, hora de cachorro. As vezes de roseiras, anjos, bolas ou borboletas. Até a carinha de minha boneca elas imitavam.
Ah, que bela manhã de outono!
Eu achava muita graça das nuvens; Gostava tanto de admirá-las.
Conhecia cada uma: Maria, Moli, Margarida e Manhã.
Eram tantos nomes, mas o batismo era meu, eu os criava.
Num dia de março assisti a Moli ficando negra, com cara brava, com olhar de má. E, de repente, começou a chorar e a molhar a terra.
— Ah. Moli, não chore, disse eu. Tenho medo quando isso acontece.
Ela não me respondia com palavras, mas eu insistia:
— Foi a Maria que brigou com você?
— Por que tanto barulho, Moli?
Tudo bem, não vou ficar te olhando, porque as faíscas estão aumentando.
Diz meu pai: — São raios, filha!
— Ah, tenho medo disso, papai!
Corri para dentro de casa e de vez em quando eu olhava pela janela, mantendo as mãos nos ouvidos para não ouvir aquele estardalhaço terrível.
Mas ela chorou muito, muito, muito... A Moli parecia incontrolável.
— Moli, Moli, você é muito manhosa! Veja o estrago que você fez!
Seu pranto inundou a terra e não sobrou ninguém nas ruas!
Ela não me respondia com palavras. “Deixa pra lá”, pensei.
Sei que foi um grande estrago, mas eram as águas de março fechando o verão. Por isso que a Moli chorou e chorou...
Tudo passou. Moli se foi e suas irmãs, Margarida e Manhã, a seguiram.
Trocaram de cor, ficaram brancas de novo; Dançavam com o ritmo do assobio melódico do vento e passeavam no céu formando formas e cores.
Que bom, a briga passou!
As folhas caiam das árvores e eram empurradas pelo vento.
Visitavam as casas, passavam pelos portões, as aves voavam em bando para algum lugar e o céu permanecia quieto com suas nuvens brincalhonas.
Ah que saudade daquele outono!
Era época da colheita. Via as hortas da região sendo esvaziadas.
Eu nada entendia... Uma interrogação me acompanhava, mas o meu coração, ah, o meu coração era feliz e puro. Era belo, carinhoso e queria ver tudo do mesmo jeito, ou seja, naquela rotina que me fazia tão bem.
Saia de casa para fazer compras na padaria ou na quitanda e seguia a pé pelo meio fio. Conseguia sempre me equilibrar e não caía. Para mim aquilo era um feito e tanto. Quando chegava em casa, feliz eu sorria.
Só sei que já estávamos em Abril, no outono de 1970.
Eu corria para o portão e sentava na calçada para apreciar as modas, ver o tempo e as gentes.
Vem pra dentro, gritava mamãe! Tá na hora de estudar! Depois você aprecia as modas... é melhor você entrar!
Ai, ai. Como fala a mamãe!
Eu não via moda alguma, pois todos eram mal vestidos. As roupas eram surradas e não eram nem um pouco bonitas. Eram roupas simples e felizes. Mas a alma do lugar, essa sim, tinha cheiro de mato, de terra molhada.
Naquele lugar, naquele bairro pobre, existia luz, existia amizade.
Quando a terra subia, embalada pelo vento ou pelo chute dos moleques nas peladas da esquina, eu não via moda, via vida.
Aquele foi um dia marcante. Um dia de Outono do ano de 1970.
Meg Klopper