À espera do Ano Novo – fuga, gostos e voyeurismo

Desde que voltei do mar, de onde fugi, tão logo multidões começaram a tomar de assalto as areias banhadas pelo Atlântico, andei a pensar sobre o que vi/vivi nos últimos 4 dias praianos e que me levam a uma conclusão desconsolada: a de ser uma pessoa desterritorializada, perdida neste imenso território brasilis (ou seria no imenso território terráqueo?).
Primeiro os ruídos. O barulho incessante que a chamada civilização produz é acachapante e indigno. A “necessidade” de música em todos os lugares parece ser uma medida saneadora ao pensar. As prefeituras, rendidas, cedem o espaço público para “shows” de qualidade duvidosa. Nos palcos provisórios, música gravada, a “presentear” os veranistas. O “footing” – pois é, encerrando já a primeira década do Século XXI, essa prática interiorana ainda é praticada em nossas badaladas praias, só bastante piorada, ou seja, é feita dentro de automóveis, essas máquinas ruidosas equipadas com poderosos aparelhos de som em proibitivos decibéis, em congestionamentos propositais e sem destino. A beira-mar e seus coqueiros e seu espetáculo visual, invadida de sons. O som do mar abafado pelo som do mau gosto incivilizado.
A população canina cresceu em número impressionante e no tamanho individual de cada animal. Difícil ver alguém levando a passear um pequeno animal. Levam dois, três, alguns enormes... Isso numa cidade onde não há mais casas térreas, apenas edifícios de apartamentos onde esses animais ficam confinados. Alguns desses donos, donos de apartamentos milionários, “esquecem” de recolher os dejetos orgânicos de seus animais de estimação e o resultado é, como dá para sentir na pisada, uma verdadeira merda.
As hordas em busca do lazer obrigatório e com hora marcada, saciam todos os seus apetites primordiais, comem, bebem e fornicam à exaustão. Nada do que a humanidade conquistou ao longo de sua tão longa história parece interessá-las.  Só o mergulho literal nas águas do prazer hedonista, fugaz e exacerbado.
Esperam o Ano Novo, vestidos de branco, como se espera um Messias, panacéia para todos os males ocorridos durante o ano que finda. Purificados, após os 7 pulinhos nas ondas e o espumante bebido em copos plásticos misturados com areia, voltam pra casa e o que encontram no dia seguinte é uma tremenda ressaca.
Fico aqui a me perguntar se essa minha implicância não seria de pura inveja, por ter perdido a sensibilidade para essas manifestações órficas e orgíacas, características, diga-se, humanas, por demais humanas e... mitológicas. Azar o meu, velhota ranzinza, que após o banho de mar (sempre antes ou até o meio-dia, quando a multidão, de ressaca, começa a chegar) e o almoço foi experimentar os novos Cafés da temporada e assistiu aos filmes em DVDs levados como antídoto. Na bagagem, também um livro maravilhoso, cuja leitura está chegando ao fim, do qual darei notícias).
Azar o meu... que permaneci em minha janela voyeurista, sem binóculos, observando, de forma turva e opaca, um tempo que já não é mais o meu. O meu tempo é aquele que faço, do meu jeito, adequado ao próprio gosto e às limitações não solicitadas, mas inevitáveis.
Falando em gosto, desci e subi a serra do mar ouvindo o impagável CD de Maria Bethânia, O Mar de Sophia. A palavra da poeta Sophia e a voz da artista que lhe dá outra voz. A felicidade também pode estar nessas coisas (e naquelas). Ou não?

Dalila Teles Veras

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