Estátua de Carlos Drummond em Copacabana (Rio), de Leo Santana, com um verso do poema "Mas viveremos"
PORTA (aberta para a poesia)
Ao convidar para olhar pela porta, onde a luz escapa, procuro levar o leitor a invadir, encenar, sentir e saborear palavras que representam um palco de detalhes com criatividade, realçando o lirismo e a força da poesia. Abro a porta para espiarmos;
Pedro Du Bois: “Entre portas a entrada é suave /
se o destino sabe do encontro...”;
Lêdo Ivo: “Paredes têm olhos / Portas têm ouvidos.”
“E a vida vai se abrindo / em portas e janelas /
como se fora flor...”
“Onde está a outra porta? // A porta que busquei /
... é esta: aberta para a vida...”
Orides Fontela: “A porta está aberta. // ... Para além do que é humano
o ser se integra / e a porta fica aberta. Inutilmente”.
Mário Chamie: “... nem se espanta / quando abro essa janela ...
e nos renova / se uma porta atrás da outra
se desdobra...”
Nei Duclós: “Eu só preciso de uma coisa: / contar toda a verdade /
e esperar pela resposta // repetir o verso em cada porta”.
Observo que os poemas latejam metáforas da palavra inspiração e que, ao abrir a porta, podemos ver o nascer e a vida obstinada com os poetas.
A porta compõe a nossa vida, resguardando o direito de ir e vir, e deve estar harmonizada, porque nela reside a analogia com a linguagem e com a arte. Escritores, poetas, são responsáveis por essa sinfonia, eles têm ritmo próprio, personalidade exclusiva, como o design de cada porta. Por exemplo, a porta da frente traz a vibração e a alegria do poema, a porta do coração representa uma abertura para os sentimentos e a porta dos fundos reflete o espírito irreverente da criação.
A porta dá passagem para quebrar as regras, reinventar o vocabulário e permitir que autores diversos a apontem como se fosse uma grande estrela. A sensação está em abrir a porta e se deparar com a poesia.
Como Du Bois escreveu, “o poeta pensa que os deuses / não o abandonarão na hora / em que as palavras faltarem...”. E digo, viva a poesia! Sem ela não teríamos a liberdade para atravessar a porta e ouvir Paulinho da Viola, “... Eu até achava inspiração / Quantas vezes eu cantava / Quando não podia nem falar / É que meu violão me ajudava / A trazer esperança / Dentro de um poema”.
Estátua de Florbela Espanca no Parque dos Poetas,
em Oeiras, Portugal
COMÉRCIO DE ILUSÕES
Mário Quintana escreveu: “A poesia é dessas coisas que a gente faz e não diz. A poesia é um fato consumado, não se discute...”
É através da poesia que o homem expressa o seu espírito e justifica a sua natureza. Quanto mais independente for a poesia, mais estimulados são os sentidos, trazendo harmonia e valorizando o prazer de viver.
“Pero, há Vivas Memórias // Há mortos que nunca morrem / voz /
Imagem / eles ressurgem feito marés / ou límpidos cristais a esculpir /
as lágrimas que a curva do olho não apaga. // Há mortos que nunca apagam, /
nos revivem em fotos, momentos e palavras...”
Carmen Sílvia Presotto
A poesia é importante porque é cultura, é bela, tem história e se reflete na música. A música ao se valer da poesia, além do gostar, quer ser cultura, ser bela, protestar sua história e estar além do gosto.
Segundo Jorge Luis Borges, “A poesia e a linguagem são uma expressão...”; mas, a poesia não atrai o interesse comercial, pouco vende. Como sair desse emaranhado?
A poesia é a encarregada de levar a linguagem de volta às fontes, mostrando-nos que as palavras começaram em certo sentido, como mágica, isto é, temos plena convicção de que sentimos a beleza de um poema antes mesmo de começarmos a pensar em um sentido. Talvez não para a razão, e sim, para a imaginação.
Na assertiva de Mário Quintana, “A poesia... entra pelo ouvido e fica no coração”.
Talvez não valha a pena iludir o leitor com propostas de novos livros, porque as expectativas de um mundo que se recusa a ler, a entrar para o mundo da imaginação, vem desenvolvendo fracassos e ilusões.
Para reafirmar o valor da leitura, e promover abertura significativa dos poetas, é preciso navegar num comércio de ilusões: “Onde a imaginação não perde o pé da realidade”, porque, em Quintana, a prosa se faz poesia.
“Felicidade publicada / livros fechados
felicidade cantada / mudas músicas...”
Pedro Du Bois
Antônio Carlos Secchin, em particular, anota: “... a poesia de tema explicitamente social, costuma ser criticada por dupla ineficácia: por não atingir o grande público e por precisar atingi-lo”, como nos mostra Lêdo Ivo:
“Poesia não se vende, / ninguém a entende! / - Suspira o editor. /
Poesia! Poesia! / Ninguém te entende. / És como a morte e o amor.”
Tânia Du Bois