AS VINHETAS DA NOSSA VIDA

Por que precisamos tanto dos sons e imagens do passado

Uma amiga certa vez comprou um pacote com milhares de canais de TV por assinatura. No início, ficou empolgadíssima com tanta oferta. Depois de um tempo, no entanto, me disse que em algumas noites sentia necessidade de, apesar de tanta variedade, “deixar na Globo”. Não que ela curta novelas, muito pelo contrário, mas porque a programação da Globo, com o seu padrão novela-jornal-novela, que não muda há 40 anos, lhe dava uma sensação de conforto, de segurança, que remetia à infância, a outros momentos importantes de sua vida, que, queira ou não queira, o padrão global estava presente.

Falei da Globo, como poderia falar de outra referência qualquer, mas é que esta realmente é a mais presente. Quando ouço a abertura do Jornal Nacional, por exemplo, me vem a lembrança do Cid Moreira me dando notícias por anos e mais anos, mesmo que após a faculdade de comunicação eu passasse a ouvir estas notícias de forma muito mais crítica. A memória realmente parece precisar destas vinhetas, destes sons e imagens com os quais nos acostumamos mais e mais cada vez que o tempo vai passando. No meu caso, gosto muito de ouvir rádio AM, pois as vinhetas costumam ser as mesmas ´desde sempre´. No caso das rádios Globo, Tupi e Nacional, por exemplo, consigo visualizar exatamente, com todos os pormenores, situações vividas em ambientes que não existem mais, com pessoas que já partiram daqui e mesmo com o que eu era em outros tempos.

Embora eu não seja tão fã assim de televisão, ela faz parte de nossa memória afetiva, sem dúvida nenhuma, e hoje, com o youtube, muita gente aproveita para rever, com som e imagem perfeitos, aquilo que marcou uma época em sua vida, que tanto pode ser o programa do Chaves (sem bem que esse repete até hoje), a Xuxa dos anos 80, partidas de futebol marcantes, seriados, novelas e até mesmo propagandas, com a linguagem publicitária completamente diferente do que se vê hoje.

A questão aqui não é a qualidade do que se está vendo, ou a ideologia, e sim o que aquilo desperta de bom, ou mesmo de tristeza, na gente. A música de abertura do Sílvio Santos, por exemplo, tem cheiro de galinha com batata, prato muito comum nos dias de domingo na minha antiga casa, com meus falecidos pais. Da mesma forma até hoje assisto corridas de Fórmula 1, embora nem saiba dirigir e não entenda nada de carros, mas simplesmente porque elas sempre aconteceram (pelo menos as da Europa) no mesmo dia, domingo, no mesmo horário, às nove da manhã, e traduzem um sentimento de preguiça que este dia oferece, sinônimo de chinelo de dedo, roupa surrada, uma volta de bicicleta e o encontro com os amigos que um dia, sem dúvida, vão deixar saudade.

André Luís Mansur

« Voltar