Estátua de Carlos Drummond em Copacabana (Rio), de Leo Santana, com um verso do poema "Mas viveremos"


O Adeus de Pilatos

Uma das lembranças mais significativas da minha juventude é a voz do meu pai recitando, nas festas e saraus poéticos, “O Adeus de Pilatos”, poema dramático de Carlos Dias Fernandes. O poema é sobre a despedida de dois amantes: Pilatos, proconsul romano, e sua amante Myriam, judia, que ele repudia para abraçar o amor de outra mulher. O poema é barroco, retórico, cheio de adjetivos e hipérboles, mas eu gosto. Myriam diz, enlouquecida de dor ante a recusa do amante: “Pilatos, meu amor, aonde quer que os destinos/ Te levem, seguir-te-ão meus olhos peregrinos/ Como dois cães fiéis. Toda a minha alma é tua;/ Todo este coração, que d'ânsias tulmutua/ É teu, vive por ti, por ti se despedaça./ Não podes conceber a dor que me trespassa/ Nesta hora mortal do nosso extremo adeus...” E Pilatos responde: “Perdoa, Myriam, lume dos olhos meus;/ Roseira do Sharon, lírio branco dos vales!/ Não derrames mais fel nas fezes do meu cálice...” E por aí vão de emoção em emoção, até o desenlace final.

Carlos Dias Fernandes nasceu em Mamanguape, em 20 de setembro de 1874. Aborrecido da vida no interior, foi para o Recife, Aracaju e depois para o Rio de Janeiro, onde fez amizade com poetas e intelectuais e iniciou a carreira jornalística. Depois de uma temporada na Amazônia seguida de uma viagem à Europa, voltou à Paraíba a convite de Castro Pinto, em 1912, para assumir a direção deste jornal A União, onde renovou a prática jornalística e criou o Correio das Artes. Em 1928, quando João Pessoa foi eleito presidente do Estado, o seu primeiro ato foi a demissão de Carlos Dias Fernandes da direção de A União. Desgostoso, voltou então ao Rio de Janeiro, onde faleceu em 1942.

Esse registro tornou-se indispensável para complementar a informação constante do Revista da Academia de Letras de Campina Grande (Ano XXIII, nº 4, dez/2003), que traz reproduzidos trechos do poema, sem o crédito devido ao autor e com várias incorreções. Sei muito bem, porque sou editora, o trabalho insano que é fazer uma revista, principalmente uma revista de uma Academia, onde se trabalha com verba mínima e não se pode captar anúncios como em outra publicação qualquer. Louvo o trabalho da Academia, mas não posso deixar passar sem o devido crédito um poema e um poeta tão importantes para a Paraíba e pelo qual tenho um afeto e uma admiração sem limites. O poema completo encontra-se no livro “Carlos Dias Fernandes: memória esotérica em poesia olímpica de glória, cruz e amor”, de Lauro Neiva, Edição de A União, sem data.

Clotilde Tavares

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