Estátua de Carlos Drummond em Copacabana (Rio), de Leo Santana, com um verso do poema "Mas viveremos"



TODO DIA É DIA DE POESIA

Dia 14 de março se comemora o Dia Nacional da Poesia, estabelecido por causa da data do nascimento do poeta Castro Alves. Não que Castro Alves não mereça, mas esse tipo de homenagem, a meu ver, abre uma espécie de jurisprudência: todo dia de nascimento de um poeta deveria ser comemorado como o dia nacional da poesia, de tal forma que todo dia seria o dia nacional da poesia.

Dia 21 de março é a vez do Dia Internacional da Poesia, estabelecido por causa do início da primavera no hemisfério Norte. Ou seja, para os do hemisfério Sul, a poesia não é primavera, mas outono, não é renascimento, mas recolhimento, além disso, tal instituição abre toda uma ideia de colonizador, colonizado. Talvez fosse o caso de os poetas do hemisfério Sul requererem que seu dia internacional da poesia fosse dia 23 de setembro.

Dia 20 de outubro é a vez do Dia Nacional do Poeta. Alguns Estados brasileiros estabeleceram datas diferentes para os poetas. Além disso, no dia 25 de julho, se comemora o Dia Nacional do Escritor. Como muitos se arvoram “escritor” e “poeta”, têm a chance de ter dois dias para comemorar, mesmo sem saber muito bem a diferença entre uma coisa e outra. Nota-se que, geralmente, os que mais se arvoram não são nem escritores nem poetas.

Pela proximidade, vou me deter mais nos dias da poesia. Na verdade, acredito que comemorar um dia da poesia é mais ou menos como comemorar um dia das mães, ou das mulheres, uma espécie de justificativa, de lembrança um tanto falha: “Olha, nós sabemos que você existe, demos até um dia pra você, toma aqui esse presentinho”. Enfim, por que destinar um dia oficial, quando todos os dias são dias da poesia?

Primeiro, seria o caso de tentar definir o que é poesia. Podemos pensá-la como um gênero literário. Talvez aí valesse um dia da poesia se olharmos como ela foi, durante muito tempo, a locomotiva da literatura. Ou aquele soldado que abre a trincheira, aquele operário que abre a picada, que estabelece o caminho. Novamente nos deparamos com o nosso tempo de agora, em que a poesia mais parece uma senhora cansada do que uma guerreira. Enfim, reflexo desse tempo em que a arte em geral está cada vez mais acostumada aos confortos da fama, da vaidade, da superficialidade.

Porém, podemos pensar a poesia não apenas como um gênero literário, um tipo de texto, mas como uma aura, uma espécie de alma que permeia tudo: ações, gestos, acontecimentos da natureza, sentimentos, olhares, infâncias. Esse tipo de poesia é tão densa, profunda, que o poeta mexicano Octavio Paz disse que ela é uma substância rebelde a definições.

Rebeldia que não cabe num dia, que não cabe nas homenagens institucionais, rebeldia que ainda mantém alguma chama acesa, que ainda estabelece alguma saída ou sentido para a arte. A poesia, seja como gênero literário, seja como esse conceito mais abstrato, sempre esteve na frente, penetrando o desconhecido. É essa ousadia que temos que comemorar. Todos os dias.

Rubens da Cunha
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