NÃO SE PODE APAGAR A LUZ DENTRO DA VOZ

Nunca fui fã de revistas pornográficas. Com zoom nas pernas, nas coxas, na bunda. Emagrecia minha imaginação.

Meus amigos tinham edições bagaceiras. Fotos escancaradas que possibilitavam enxergar inclusive os pêlos encravados das mulheres. Disputavam bizarrices, relações com animais, orgias. Trocavam arquivos nos recreios.

Não participava do animado sebo. Zelava pela simplicidade da tinta preta em fundo branco. Permanecia solitário no arrepio.

Estranhava os empréstimos, ceder uma revista para alguém se masturbar. Na hora de folhear, duvidaria de outra origem para as páginas coladas. O papel tinha que ser virgem — o papel do primeiro encontro, novo como um envelope.

Minha adolescência avançou convulsionada a desenhos e cartas eróticas. Ficava muito mais excitado com a letra do que pela exposição. Pelo desenho do que pelo detalhe abusivo.

Nem precisava esconder a bagagem proibida dos pais. Não me trancava no banheiro para me avolumar de presságios.

Com os dedos marcando as linhas, decorava as descrição de fantasias de anônimos, dos namoros fulminantes e casualidades fatais. Relatos sem nomes, somente com as iniciais. Meu erotismo foi crescendo em bilhetes de seqüestro, maiúsculas separadas por pontos. Aquele ponto já me seduzia. Aquele ponto fazia o papel de cama.

Sexo nunca foi desafogo, descarrego, relaxar. Traio minha natureza para ser fiel ao ritmo cardíaco, que pára e bate. Cessa e volta. Dependo de pausa para me admirar vivendo.

Não queria gozar, mas entender como gozava. Explicar-me. Fotografar o ar, o instante em que a contração atravessava o assobio.

Colocar o pau para fora não mostrava que era homem. Sexo nunca foi simplesmente abrir as pernas e feito. Deslizar o zíper e começar.

Minha paixão é perversa, não pornográfica. Hostilizo depois, bem depois da intimidade. Confio em violência recomendada pela ternura.

Não me interessa chegar logo à rua, e sim percorrer primeiro a calçada. Preparar-me na metafísica do esbarro, reparar o desenho dos azulejos, acenar forte com a respiração.

Valorizo os movimentos implícitos, enxergar o que o vento não cobriu, comemorar provocações.

Devo ter algum problema, meus olhos demoram a vir, endureço por frases de arrebatamento e desconstruções gramaticais.

Obcecado pela gramatura da voz, pela entonação possessiva, pelo abandono progressivo das formalidades, abalo-me por uma expressão lasciva. Meu ouvido acelera o quadril.

Eu me tonifico com as roupas espalhadas pelo chão, não com um par indiferente de pernas esticadas.

As bordas me centram. A alça caindo do vestido aquece minhas mãos. Uma calcinha presa nos joelhos formiga os lábios. Um pedido desenvergonhado alarga os ombros.

Sou um cara que ainda procura história em filme pornô. E o amor no sexo.

Fabrício Carpinejar

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