MAL DE AMOR
Cresci ouvindo dizer num tom sempre abaixo do normal, que Dona Cecília sofria de mal do peito, ostentava olheiras, que alternavam entre o verde escuro e o roxo anilado, e nas subidas parava duas vezes, para retomar o fôlego. Suas filhas, nem namoravam por medo das escolhas equivocadas e de provocar desgosto para a mãe doente.
O marido fora avisado ao se casar do mal que a acometia, mas por amor quis compartilhar com ela o seu resto de vida.
Não foram poucas as pessoas que avisaram ao seu pretendente sobre o mau negócio; porém ignorou, e curiosamente Dona Cecília conseguiu ter duas filhas e um filho temporão, apesar dos três abortos nos primeiros anos do casamento.
Vinte anos passados, Vicente, o esposo, parecia realizado e agradecido a Deus pela escolha praticada.
Em 1979, ao contrário do que se esperava, veio ele a falecer. Descobriu-se, com isso, que ele sofria do coração "no último furo", como se dizia por aquelas bandas. E ninguém prestava atenção nele, aparentemente tão forte!
Por amor, fundiu o seu coração com o dela, órgão depositário do seu nobre sentimento. Depois da morte do marido, Dona Cecília resolveu mudar-se para o Triângulo Mineiro. Lá, estranhamente, encontrou a saúde: sumiram as olheiras e os declives das ruas não representavam obstáculo para suas longas caminhadas. Suas filhas nunca se casaram, mas pela notícia mais recente vivem felizes, com a mãe e o padrasto.
Stella Tavares
Do livro: O adestrador de sentimentos, Ed. da autora, s/ano, Resende/RJ