A OUTRA QUESTÃO - O ESTEREÓTIPO, A DISCRIMINAÇÃO E O DISCURSO DO COLONIALISMO
(Fragmento do cap. III)
"Mamãe, o preto vai me comer" (1).
É o cenário da fantasia colonial que, ao encenar a ambivalência do desejo, articula a demanda pelo negro que o próprio negro rompe. Isto porque o estereótipo é ao mesmo tempo um substituto e uma sombra. Ao aceder às fantasias mais selvagens (no sentido popular da palavra) do colonizador, o Outro estereotipado revela algo da "fantasia" (enquanto desejo, defesa) daquela posição de dominação, pois, se a "pele" é no discurso racista a visibilidade da escuridão e um significante primeiro do corpo e seus correlatos sociais e culturais, então é inevitável que lembremos o que diz Karl Abrahams em sua obra seminal sob a pulsão escópica (2). O valor-prazer da pele escura é um recuo a fim de não saber nada do mundo exterior. Seu significado simbólico, no entanto, é totalmente ambivalente.,
Mas certamente há outra cena do discurso colonial em que o nativo ou o negro corresponde à demanda do discurso colonial, onde a "cisão" subversora é recuperável dentro de uma estratégia de controle social e política. É reconhecidamente verdade que a cadeia de significação esteotípica é curiosamente misturada e dividida, polimorfa e perversa, uma articulação de crença múltipla. O negro é ao mesmo tempo selvagem (canival) e ainda o mais obediente e digno dos servos (o que serva a comida); ele é a encarnação da sexualidade desenfredada e, todavia, inocente como uma criança. ele é místico, primitivo, simplório e, todavia, o mais escolado e acabado dos mentirosos e manipulador de forças sociais. Em cada caso, o que está sendo dramatizado — entre raças, culturas, histórias, no interior de histórias — uma separação entre antes e depois que se repete obsessivamente o momento ou disjunção mítica.
(...) A palavra final pertence a Fanon:
esse comportamento [do colonizador] trai uma determinação de objetificar, confinar, prender, endurecer. Exporessões como "Eu os conheço", "é assim que eles são", mostram essa objetificação máxima atingida com sucesso... Há de um lado uma cultura na qual podem ser reconhecidas qualidades de dinamismo, crescimento e profundidade. Contra isso temos [em culturas coloniais] caracterícisticas, curioidades, coisas, nunca uma estrutura (3).
Homi Bhabha
Do livro: O local da Cultura, tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis, Gláucia Renate Gonçalves, Editora UFMG, 4ª reimpressão, 2007, MG
Referências:
(1) FANON, F. Black Skins, Whith Marks, p. 80
(2) Conferir ABRAHAM, K. Selected Papers in Psychoanalysis. London: Hogarth Press, 1978. Transformations of scopophilia.
(3) FANON, F. Racism and culture, p. 44.
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