O estraga-festas

            Eu não tenho nada contra as comemorações de Natal e de Ano Novo, esclareço, antes que alguém me chame de estraga-festas.
           Eu tenho tudo!
           E não estou sozinho nessa. Estão comigo todos os seres vivos da Terra que não podem falar, a própria Terra e meia dúzia de intrépidos bípedes humanos com outra coisa na cabeça que não seja comprar e comprar e outra coisa no coração que não seja nóis é nóis o resto é josta.
           Para evitar que me atirem um panetone ou, pior, um pernil assado na cabeça, vamos aos fatos:
           O presidente Obama, o rei do império romano de hoje, os Estados Unidos, posou “perdoando” da morte um peru. Um. O que pressupõe que o restante está liberado para ser morto e cozido e servido.
           Já, no outro lado da geopolítica do mapa-mundi, alguns países árabes e africanos exibem que não gostam do Papai Noel capitalista, mas se preparam para festejar o ano que chega de sua maneira: dando tiros para cima e promovendo briga de cães, de galos, de camelos.
           Cada um a seu jeito, mostra a que veio.
           Mas fiquemos por aqui mesmo, neste aqui e agora tão igual ao lá e antigamente.
           O Rio de Janeiro alardeia que fez a maior árvore de natal flutuante. Bonita mesmo. Só que ninguém perguntou aos peixes o que eles acham disso de ter toneladas de luzes acesas dia e noite em suas caras.
           São Paulo, a locomotiva do progresso, não iria ficar atrás e iluminou o lago do Ibirapuera, feéricamente. Também ninguém perguntou as consequências disso para aqueles bastardos seres que insistem em habitar as águas do poluído lago.
           Em nome do simpático velhinho, tão bem capitalizado e institucionalizado pela Coca-Cola, o Papai Noel, se vendem bilhões (não exagero, entrem no Google para ver os números exatos) de adereços e decorações que, um dia depois, serão jogados no lixo. Um lixo que só se degradará, na melhor das hipóteses, no Natal daqui cem anos.
           No próprio dia do Natal, claro, abundará na mídia exemplos do espírito de Natal. Traduzindo: esmolinha social. Faremos hoje o que não fizemos o ano inteiro.
           Já no réveillon, a coisa piora: todas as cidades competem para ver qual conseguirá lançar mais fogos e barulho.
           Como se com fagulhas e ruídos conseguissem sair de suas misérias individuais e sociais.
           E os pássaros, lá em cima, apavorados? E os peixes, lá embaixo, iluminados?
           Nada, nadinha, que se ferrem porque a gente quer é se divertir, mesmo sendo cruel.
           Como é que vou explicar isso para cães e gatos apavorados diante de tanta barbúldia? Para peixinhos inocentes e passarinhos?
           Vou fazer como eles. Nos escondermos debaixo do cobertor e esperarmos essa loucura passar.
           Pior que ela nunca passa. Só se repete.

Ulisses Tavares
até que achava bonitinha aquela farsa do natal de jesus. Pelo menos ele gostava dos bichos. Coisas de poeta.

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