A ceguinha
Foi assim, como passo a contar, que a pobre ceguinha me contou a sua historia, numa bella tarde hibernal, quase ao por do sol, no momento em que descansava da longa caminhada do dia, que levára quasi inteiro a esmolar.
— Eu era bem feliz, me disse ella, erguendo os olhos que eram azues e nem pareciam envoltos na espessa nevoa de uma cegueira incuravel, eu era bem feliz porque, apesar de pobre, tinha a affeição de meu noivo e a certeza de que elle faria tudo para se unir a mim eternamente.
Quantas vezes, ornando meus cabellos com flores, descalça, ia ás carreiras esperal-o de volta da pescaria, porque elle adorava o mar e todos os dias affrontava num fragil barquinho a furia e inconstancia das ondas!
Quantas vezes, receando a borrasca, chorei ao longo das praias, gritando em delirio: Taciano! Oh! Taciano! Emquanto o mar acompanhava o meu soluço com o seu arquejar rude que parecia ameigar-se de envolta com a minha voz.
E eu também adorava o oceano, sobre cuja esteira meu noivo passava sempre, e cujas ondas lhe acalentavam o barquinho leve. E não invejava as ricas.
Quem é amada possue a maior das riquezas, e eu na minha quase miseria julgava-me millionaria.
Mas um dia deixei de ser feliz.
O meu noivo foi seduzido pela ambição, teve sede de ouro e embarcou ás occultas para longe, bem longe...
E eu cansei de chamal-o pelas praias desertas, cansei de chamal-o e apenas o mar respondeu aos soluços do meu coração doido de saudades.
Chorei tanto, tanto, que perdi pouco a pouco a luz dos olhos, e um dia não pude mais ver o dorso azulado das aguas.
Mas continuo a ver o meu noivo com os olhos da alma, e não maldigo esta cegueira porque foi motivada pelo amor.·.
E assim terminou a ceguinha a historia da sua vida, emquanto a natureza sentia a doce influencia do crepusculo.
Francisca Clotilde
Envio: Leninha
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Obs.: Foi respeitada a ortografia original