A Última Geração de Companheiros

Todos nós concordamos que as grandes cidades estão violentas. Sair de casa à noite é sempre uma empreitada. Tudo é perigoso: estacionar, dirigir, deixar o carro na rua, sozinho, com medo de voltar e não encontrá-lo.
Ficar solteiro, ciscando, também é um perigo. Ir à praia poluída também é perigoso. Viver é um risco sem aventuras.
Procurar o Príncipe Encantado é namorar colorido duzentos anos. E estamos velhos para isso. Os casamentos não deram certo, as crianças adolesceram, ficaram maiores que nós. Ficamos meios sós, quase avós, mas o mundo não parou por causa disso.
O mundo segue seu ritmo indiferente à nossa primeira ruga, ao nosso olho esperto japonezando os cantos e às bochechas pesadas que insistem em grampear um quê bonachão em nosso eterno espírito jovem e lépido e até fagueiro. A cintura fugiu enquanto nos distraíamos. Continuamos rebeldes por dentro.
Na minha idade, que nem é tanta, reencontro a paixão. E a paixão está agora dentro de casa, dentro de mim mesma, com ele, reinventado a vida, descobrindo novas possibilidades.
A criatividade de um ser humano não tem limites quando se é estimulado. Com ele, o tempo voa. Iríamos juntos para uma ilha deserta sem fastio. Vinte e quatro horas seria pouco para tantas opções de reinventar a passagem do tempo.
As crianças (que já não são mais crianças) confessaram o ciúme: Parece que você gosta mais dele do que de nós.
Isso não é verdade, mas meus filhos têm diferentes interesses, há muito não me fazem companhia, saem de manhã e só voltam de noite, revolucionando, querem ver a vida de perto, ao vivo e a cores, é natural, tudo pra eles é novo, nada foi vivido, tudo é estréia, rua, inauguração, grupo, pré-lançamento. Comigo agora é diferente.
Só para se ter uma idéia: passei o fim-de-semana com feriado e tudo feliz dentro do apartamento. Descobri, na prática, que podemos preencher nossa vida, não importa o tamanho do vazio.
Às vezes, quando ele está assim meio desligado, eu me lembro de coisas como tédio, solidão, ansiedade, festas com as mesmas caras, paqueras com os mesmos caras, ressacas, e outras coisas que eu chamava de diversão e lazer. Tola. Pensava que eram entretenimentos.
O verdadeiro êxtase de estar vivo, encarnado, carne e sangue pulsantes, é descobrir, tarde que nunca, que nossa mente é um arquivo sem limites, potência pura, que nunca esgota as possibilidades de criação e de aprendizado. Essa é a nossa riqueza.
E ninguém entende. Querem que eu saia, que eu vá a festas, cinemas, praias, essas coisas. Querem me apresentar rapazes e me levar pra rua, todos querem isso: minha melhor amiga, minha mãe, e ultimamente até meus filhos. A mais velha deu pra dizer que é impossível isto, alguém da minha idade viver sem sexo.
Mas eu não ligo. Mentalizo. Acredito na Ciência, na Informática, na Tecnologia e na Cibernética. Tenho certeza que ainda vão inventar um computador que trepe.

Glória Horta