Tarô via Internet

             

      De uns bons anos pra cá já temos tarólogos super sérios e reconhecidos trabalhando também via internet. Nelise Vieira, provavelmente uma das pioneiras, é uma; Kelma Mazziero, que há muito vem batalhando para esclarecer as pessoas a respeito deste tema, é outra, para citar apenas dois exemplos. No entanto, muita gente ainda acha que leitura de tarô via skype é algo que "não funciona", porque não há "a energia da presença física". Ao escrever sobre este assunto, percebi que a questão mais delicada não está em fazer o outro entender o que é e como funciona o skype ou a internet, ou porque é perfeitamente aceitável como meio de comunicação para uma leitura de tarô, mas sim fazer com que as pessoas revejam os conceitos que tem a respeito desse jogo.
      A maioria ainda pensa no tarô como algo mágico e misterioso, com conexões intrigantes com o "mundo do além"; um oráculo que vai afirmar de forma cabal o que há em nosso futuro e do que, portanto, não poderemos fugir (o que pode ser muito atraente ou muito assustador, dependendo do que ele vá apontar...). Grande parte das pessoas ainda acha que o tarô é coisa de bruxos e magos, seres esquisitos que transitam entre o mundo dos vivos e o impalpável mundo "invisível" e que, para entender um oráculo, tarólogos obrigatoriamente precisam incorporar entidades ou algo similar. Particularmente, acho que é mais que hora de acabar com essa ideia arcaica e equivocada que insiste em se manter, como se ainda fôssemos camponeses medievais ou como se as descobertas da psicanálise nunca tivessem acontecido. Sim, há uns poucos profissionais que na verdade são, antes de mais nada, videntes ou médiuns (bem como há uma maioria que não é, mas alega ser), e existem, sim, raras pessoas que, ao ler o tarô, enxergam acontecimentos que mais tarde se comprovam em cada detalhe da previsão, mas esses "dons" não são imprescindíveis para uma boa leitura de tarô e muito menos são comuns a todos os estudiosos sérios desse assunto.
      O tarô é um baralho no qual cada carta (ou arcano) abrange certos atributos. De onde ele vem, a troco de quê surgiu e para quê era usado quando foi criado — no fundo a mim nada disso interessa muito. Mesmo porque a verdade é que ninguém sabe com certeza e, embora sejam muito interessantes, as especulações a respeito acabam resultando em teorias diversas e que (ainda) não podemos corroborar com segurança. A verdade é que o mundo espiritual pode ser percebido como psíquico (e vice-versa) e a identidade com um ou outro se dará sempre em função de características, formações e anseios particulares e pessoais. No fundo, se o tarólogo for honesto e sério, será capaz de manter-se isento e, portanto, toda leitura será um excelente auxiliar para o cliente compreender melhor a própria vida e o momento, tanto fazendo se a conexão do profissional com o baralho se dá mais no sentido espiritual, ou se sua identidade é mais com o aspecto psíquico dos arcanos. O fato é que o tarô, per se, é laico.
      O que aprendi de mais interessante, ao longo dos anos, é que ele fala. Simples assim. Se quem o lê conseguirá compreender o que ele diz e então traduzir isso fielmente para nossa língua falada, ou transpor as ideias que ele passa para uma forma lógica ou racional, aí é outra história. Afinal, o tarô fala através de uma linguagem simbólica, mais parecida com a linguagem do nosso inconsciente, como nos sonhos. Quando sonhamos que estamos andando numa casa que é "nossa casa" e, no entanto, ela é completamente diferente da nossa casa "real", no sonho isso é algo que simplesmente sentimos ou sabemos, embora não faça sentido quando a comparamos com a casa que temos quando acordados. Mas a casa do sonho é um símbolo e, como tal, representa um espaço, um ambiente etc. O mesmo ocorre com os atributos dos arcanos: quando dizemos que O Louco sugere as ideias de imprevistos, viagens ou surpresas, por exemplo, na realidade estamos procurando tornar compreensíveis, para a mente racional, os conceitos mais abrangentes de espontaneidade, descompromisso, liberdade, disponibilidade para o novo e assim por diante.
      O tarô é um sistema que seria extremamente útil se todos nós o aprendêssemos e aplicássemos como exercício pessoal, mas os tarólogos acabam sendo necessários pela simples razão de que o aprendizado dessa língua, feita da soma de ideias, símbolos e intuição, leva tempo para ser aprendida e aprimorada, em especial para o ser ocidental, cuja formação quase sempre tem fundas raízes na lógica e que é treinada para afastar-se do mundo simbólico (e "intuição" é outro conceito que em geral é absolutamente mal compreendido e que, não, não tem nada a ver com magia ou dom mágico de profecias. Intuição é como um atalho no processo do pensamento; enquanto um ainda está vendo o "B", depois o "mais" e então o "A", um intuitivo já enxergou o "BA", sem precisar passar pelo processo racional compartimentado). E é fundamental que o tarô seja adaptado aos novos meios de comunicação que vão surgindo, ou não seria o que realmente é: uma ferramenta útil. E ferramentas, para continuarem sendo úteis, precisam evoluir junto com o mundo. Só um camponês medieval, como disse antes, vai se aferrar unicamente ao martelo e desprezar uma furadeira elétrica por achá-la esquisita, para fazer uma comparação besta, mas que aqui acho cabível.
      O fato realmente curioso (e que gera tanta resistência) é que um tarólogo sério não precisa estar de mão dada com o cliente para que o tarô lhe mostre algo e a verdade é que as leituras mais ricas são aquelas em que não direcionamos pergunta alguma e apenas nos concentramos em deixar que o baralho nos diga o que quer dizer. E mesmo quando focamos numa questão específica, o fato de darmos a palavra ao tarô, ao invés de nos agarrarmos à ideia de que controlamos tudo e sabemos tudo, é o que coloca o ego de lado e faz com que suas perguntas e dúvidas, em geral superficiais ou triviais, deixem de ser a prioridade. Assim, sutilmente nos tornamos disponíveis a um olhar mais profundo a nosso próprio respeito. Essa disponibilidade resulta em aceitar que nossa forma habitual de lidar com a vida talvez não seja a única possível ou, ao menos, a melhor nesse momento, o que, finalmente, nos abre à linguagem do tarô. E isso, caro leitor, é o que independe da presença física: a mente, aberta a um novo olhar, faz com que a compreensão simplesmente transcenda a matéria.
      Portanto, da próxima vez em que você pensar que tarô tem que ser ao vivo, que todo tarólogo tem que ser "bruxo" ou vidente, ou que a leitura tem que incluir um ritual com velas, incensos e cristais, compreenda que um bom tarólogo é, na realidade, um tradutor intérprete. Em vez de se preocupar com o quanto você (que, convenhamos, não estudou o assunto) acha estranho ele atender pela internet, procure pesquisar sua abordagem, verifique se ela é o que você procura e, fundamental, cheque se ele é um bom tradutor intérprete ou se ainda traduz "coca cola" como "cueca cuela".

Ivana Mihanovich