Prosa para a primavera

Prosa para primavera é difícil, a primavera é só poesia. Fiquei aqui olhando em volta. Estou morando em um lugar com vegetação nativa e muros todos feitos de azaléias. No meu quintal tem araucárias, engraçado, elas na sua majestosa altura e soberania na paisagem, não floriram. Para mim, a primavera é a maior metáfora da natureza. Ela é muito mais luxuriante que o outono com sua monocromia de amarelos e ocres, seus tapetes de folhas caídas, deitadas mortas, lembrando ao homem a sua inevitável tendência a horizontalidade. A primavera não, é o milagre do inacreditável, a revelação da vida de forma tão escandalosa que ninguém consegue negar-se a crença da possibilidade da renovação. Aquele arbusto rude do inverno, por mágica vira alegoria digna de desfile em passarela.  E o cheiro?  Primavera cheira a flor, literalmente. Aqui onde moro, inverno cheira à queimado, fumaça das chaminés denunciando que algum ser rebelde não se curva ao frio e incendeia a natureza. Primavera tem cheiro, tem cor, tem vento que acaricia a pele, é multi-senenestécisa.  Da vontade de rir, de tirar a roupa e sentir o sol entrando na pele. Outro dia me perguntava porque de tantas cores? Existe uma explicação científica para isso, mas prefiro acreditar que é a nossa causa suprema lembrando a nossa causa pessoal, de forma contundente e histérica que o tempo é inexorável e que florescer é inevitável, faz parte do ciclo da vida. É para nos lembrar de tempos em tempos da nossa sinuosidade pelos campos do tempo, que não somos seres lineares postados entre feriados de fim de ano e carnaval, esperando alguma copa do mundo de quatro em quatro anos para estar vivo e florescer em alegria. É a bandeira   sinalizando como pulsa a vida. Primavera, parafraseando Vinícius, é o carimbo colorido do cartório do céu onde está reconhecida a firma: Deus.

Ana Kosby

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