Dia da Consciência Negra – 20 de novembro

         Tenho visto amigos e pessoas próximas a dizer que é bobagem no dia 20 de novembro ser comemorado o Dia da Consciência Negra, que o que vale é a consciência humana, que é de toda cor, etc.

         Penso que não podemos perder de vista que vivemos, sempre, num processo histórico. Ah, sim, todos sabem disso.

        Mas se hoje é necessário que se pense sobre o ser negro no Brasil, talvez depois que todos tenhamos entendido as reais implicações, e quando vivermos em verdadeira harmonia multicolorida, até queiramos continuar comemorando o 20 de novembro, e celebrar que tudo está bem.

         Você fica contente quando alguém se lembra de seu aniversário, e lhe deseja felicidades? Um dia especial.

        Quando fui visitar o Parque Iguazu, na Argentina, e chegou a minha vez de comprar ingresso, o moço do caixa se dirigiu a mim falando em inglês. Quando eu estava numa praia distante, em Búzios, duas moças, com jeito de quem decidiu ir viver lá porque é bonito, vieram me vender doce de leite, e eu apenas sorri e fiz que não com a cabeça, então perguntaram se eu era francesa, holandesa, estavam quase falando em outra língua comigo, mas me afastei...

        Ao entrar no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, passei direto pelo guarda, com minha mochila e tudo mais, porém minha ex-aluna, negra, precisou abrir a bolsa, mostrar o conteúdo... Depois, fomos tomar um lanche na requintada cantina de lá; no balcão, fui prontamente atendida, mas demorou muito até que alguém desse atenção à minha companheira – tínhamos nos separado um instante, cada uma buscando o que ia querer na vitrine – e, o meu lanche chegou bem rápido, o dela demorou, mas o suco dela demorou mais ainda... não lhe davam a atenção devida.

        Desde criança, noto em minha família os traços dessa discriminação, e teria muitas histórias para contar. Hipocrisia imperando, sempre.

        Apesar de me vestir com simplicidade, de estar quase sempre preocupada com as contas a pagar, tenho aparência de estrangeira aqui no Brasil.
        Mil vezes fiquei sem graça ao ver pessoas de minha família sendo arrogantes...

        Quando lecionei em escolas públicas municipais de cidade pequena do interior paulista, escolas afastadas, no meio rural ou quase, conheci por dentro comunidades em que a maior parte das pessoas são afrodescendentes, ou migrantes nordestinos. Gente que sempre teve, através de várias gerações, poucas oportunidades de estudos, de estabilidade financeira, de progredir na hierarquia social.        

        Em estudos antropológicos, constata-se que ‘a imagem de si' desses sujeitos é muito distorcida pelos valores da elite social dominante, que se acostumou a tratá-los como subalternos, indignos e por aí afora.

         Então, temos sim uma dívida imensa com esses brasileiros afrodescendentes, e por isso precisamos deste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, para podermos parar tudo e pensar sobre esta situação.        

        Ah, e hoje à noite, experimente sonhar que você, qual personagem kafkiano, se transformou num afrodescendente, e tente ir por seus caminhos e lidas rotineiros para ver o que acontece...

Clarice Villac

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