ESTUDAR
                                  (Fragmentos) *

Verifico facilmente que estudar não é perspectiva valorizada entre nós. (...) A razão é frontal: quem não pesquisa não tem aula para dar. O que funda a condição de dar aula é a autoria, não uma pretensa autoridade que não vai além do argumento de autoridade. A linguagem usada na escola e na universidade está, cada vez mais, distanciada do mundo de hoje, parecendo às novas gerações "grego antigo". O que lá se diz não aparece na vida real, na rua, no supermercado, no shopping center, na Internet, no celular, nos jogos eletrônicos, na novela, no noticiário da TV etc. Aquela linguagem é do professor, para o professor. Por isso mesmo, aula é coisa dele, para ele.

(...) Em nossa cultura, as universidades são, quase, só de ensino. Nelas se dão aula, o tempo todo, como sentido único do curso. Quando estudar é assistir a aulas, trata-se de evitar o estudo, porque basta estudar o professor, tomar nota e fazer prova. Estudar entra aí apenas como memorização. Não é aquele estudar que torna alguém autor de ideias próprias. Gostaria de salvar esta ideia. Meu motivo maior é que, trabalhando há décadas com professores básicos, vejo-os distantes do estudo, razão pela qual também não conseguem fazer seus alunos estudarem. Não por culpa. Mas porque foram (de)formados por professores que não estudavam. Não eram autores. Por isso, não forjaram docentes autores, mas reprodutores de ideias alheias. Quando os professores imaginam estudar, estão em alguma "semana pedagógica" escutando palestras, tomando algumas notas e conversando. Não estão produzindo conhecimento próprio, algo que, na prática, lhes é estranho. Dão aula. Basta! Gostaria de questionar esta condição tão subdesenvolvida que ainda nos caracteriza. A democracia se nutre de gente que sabe pensar, porque esta gente é que sabe convencer sem vencer.

(...) Meu objetivo, neste capítulo, é questionar a maneira como, em geral, se estuda entre nós, sem pesquisa, sem elaboração, sem leitura sistemática, sem desconstrução e reconstrução. Na escola e na universidade, estudar é o que menos se faz, gastando-se o tempo inteiro com aulas e provas. Não que estas não caibam, mas são eventos supletivos, em geral apenas reprodutivos. Entendo por estudar a dedicação sistemática e motivada à desconstrução e reconstrução do conhecimento, na condição de sujeito capaz de interpretar com autonomia. O estudo bem feito sempre resulta em autoria, o que retira do interesse procedimentos de cópia, transmissão, aquisição. (...) Estudar não é hábito entre os professores, não porque não saberiam apreciar o estudo, mas por conta de história longa contrária a este tipo de lide intelectual: foram formados em instituições instrucionistas, muito distanciadas da pesquisa e elaboração própria; conviveram com professores que não estudavam, só davam aulas; foram avaliados sempre pela prova reprodutiva; agora possuem um diploma que, supostamente, os dispensaria de estudar, já que estudar é coisa de aluno!

(...) Em vez de ter aula o tempo todo, seria muito mais clarividente ter algumas aulas, reservando-se a maior parte do tempo para pesquisa e elaboração. (...) Carregar nas costas toneladas de conteúdos dos outros não faz um profissional. Mas faz um profissional saber discutir e praticar conteúdos e renová-los permanentemente. (...) Não se aprende para a vida, mas para a prova. Como consequência, ficamos com apostilas, textos sempre encurtados, caricaturas, fórmulas prontas, de ninguém, cuja vantagem pretensa é que já vêm "bem pensadas"; basta reproduzir.

Pedro Demo

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* Fragmentos da Introdução e do 1º capítulo do livro: "Metodologia para quem quer aprender", Editora Atlas, 2008, SP