Vou lá reclamar do calor? Hoje em dia, não se pode reclamar de nada. Nem brincar. Há limites para nossa tal liberdade, a tal de expressão. Portanto, se você estiver suando em bicas, a cueca molhada e a camisa grudando de tal forma que se formam pizzas em seu sovaco, não esquente(!!!) a cabeça.
-- Podia ser pior,meu filho.
-- Como assim?
-- Podíamos estar agora no meio da África, os mosquitos zumbindo e mordendo seu pescoço, uma hiena rindo ao lado e um leão farejando do outro. Aos seus pés, milhares de formigas gigantes e, acima, alguns abutres pensando alto: " Carne fresca no pedaço!". Podia ser pior.
Vou lá reclamar? Há os que dizem que aqui se faz, aqui se paga. Vai que fiz alguma coisa, abati algum pau-cigarra, ou uma Sibipiruna ou, talvez, um Ipê rosa...Quando criança, bem claro. Agora, sobra para todo o mundo: Sempre tive esta mania, a culpa recai sobre meus ombros e olhem, de Atlas não tenho nada, nem o elevador de meu prédio.
Enquanto vos falo, produzo tanta água que vou começar a racionar para doar ao nosso reservatório emagrecido pela estiagem. A camisa já virou um açude, a cueca um maiô e a calça jeans, uma lembrança a ser esquecida, de tanta vergonha que dá. No entanto, como posso reclamar de estar sendo procurado pelos pernilongos como se eles tivessem um sensor de suor? Não posso dizer deles que, malhados, parecem zebras voadoras, de tão grandes...Ou será que já alucino e, como vovó diria, de tão pior, já estou na África, cercado de hienas ridentes? Rindo de quê, meu irmão? Vou lhe mostrar com quantas gotas de suor se faz um Tietê, muito embora eu não seja tão poluído assim. Não ouso reclamar que o sol parece querer nos queimar até os ossos, de tal maneira que, contra ele, sua silhueta aparece como uma foto Kirlian, e aura roxa substituída por algo mais abrasador.
Eu disse que não ia reclamar. Há grupos demais no mundo e é bem capaz de existir um grupo radical defensor das brasas do sol, ou um outro que defende com unhas e dentes as manchas solares sagradas; vai daí que alguém considera minhas palavras ofensivas a Rá e mandam alguém destruir minhas caricaturas derretidas; vá lá eu reclamar!
Portanto, criatura, acostume-se ao século. Entra ano, sai ano, derreterás mais um pouco, fritarás ovos em suas cabeças, poderás cozinhar arroz ao ar livre e pizzas, se venderão das melhores feitas na laje de sua casa; práticas, será só tirar da embalagem, estender no cimento e--voilà! Prontinha com direito a queimadura de borda. Peixe assado já se pega no rio, que atraso. Fervido, já virá pronto para o consumo do povo. Vou lá reclamar de tudo, bem diz minha mulher:
-- Está muito reclamão hoje!
Hoje? Hoje está é muito quente. Ouvem esse ruído? É a horda de mosquitos zumbindo no vidro ou batendo nas luzes; idiotas.
Porém, mas, todavia, contudo, podia ser pior.
-- Hihihihi!!!
-- Está rindo de quê, hiena babaca?