CONTOS PARA VELHOS
OS ÓCULOS

O velho e austero doutor Ximenes, um dos mais sábios professores da Faculdade, tem uma espinhosa missão a cumprir junto da pálida e formosa Clarice... Vai examiná-la: vai dizer qual a razão da sua fraqueza, qual a origem daquele depauperamento, daquela triste agonia de flor que murcha e se estiola.

A bela Clarice!... É casada há seis meses com o gordo João Paineiras, o conhecido corretor de fundos, — o João dos óculos —, como o chamam na Praça por causa daqueles grossos e pesados óculos de ouro que nunca deixam o seu forte nariz de ventas cabeludas. Há seis meses ela mingua, e emagrece, e tem na face a cor da cera das promessas de igreja — a bela Clarice. E — ó espanto! — quanto mais fraca vai ficando ela, mais forte vai ficando ele, o João dos óculos, — um latagão que vende saúde aos quilos. Assusta-se a família da moça. Ele, com seu imenso sorriso, vai dizendo que não sabe... que não compreende... porque, enfim, — que diabo! — se a culpa fosse sua, ele também estaria na espinha...

E é o velho e austero Dr. Ximenes, um dos mais sábios professores da Faculdade, um poço de ciência e discrição, quem vai esclarecer o mistério. Na sala, a família ansiosa espia com rancor a gorda face do João impassível. E na alcova, demorado e minucioso exame continua.

Já o velho doutor, com a cabeça encanecida sobre a pele nua do peito da enferma, auscultou longamente os seus pulmões delicados: já, levemente apertando entre os dedos aquele punho macio e branco, tateou o pulso, tênue como um fio de seda... Agora, com o olhar arguto, percorre a pele da bela Clarice — branca e cheirosa pele — o colo, a cinta, o resto... De repente — que é aquilo que o velho e austero doutor percebe na pele, abaixo... abaixo... abaixo do ventre?... Leves escoriações, quase imperceptíveis arranhaduras avultam aqui e ali vagamente... nas coxas...

O velho e austero doutor Ximenes funga uma pitada, coça a calva, olha fixamente os olhos da sua doente, toda alvoroçada de pudor:

—  Isto que é, filha? Pulgas? Unhas de gato?

E a bela Clarice, toda de confusão, enrolando-se no penteador de musselina como n’uma nuvem, balbucia, corando:

— Não! Não é nada... não sei... isto é... talvez seja dos óculos do João...

Olavo Bilac

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Este conto foi escrito por Bilac, sob o pseudônimo de Bob
Fonte: Biblioteca Nacional: <http://www.bn.br>

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