MÚTUO AGRADECIMENTO
O uso do transporte público pode ser caótico em qualquer parte do mundo. Sempre haverá atraso, empurrões, pessoas de mal-humor, janelas que não abrem, acúmulo de vozes. Nesse sentido posso dizer que sou extremamente priveligiado, pois vivo em uma cidade onde a bicicleta é o mais apreciado transporte. De minha casa ao meu trabalho levo apenas 15 minutos para chegar. A ciclovia que uso é rodeada de árvores em uma bonita reserva natural.
Ontem, dia de sol e calor, seguia tranqüilo quando à minha frente duas senhoras, sentadas em suas cadeiras motorizadas impediam minha passagem. Por um momento pensei em soar o sino e pedir para que me deixassem ultrapassá-las, mas desisti e continuei atrás delas, observando-as com curiosidade. Cabelos brancos jogando-se ao vento, os vestidos coloridos e o diálogo que traçavam, indiferentes à minha presença. Fiquei pensando no privilégio merecedor dos idosos em um país como a Holanda. A pensão justa, as refeições entregues em casa e nesse caso, cadeiras-de-rodas com motor. As ruas estreitas e limpas para um melhor acesso e o respeito pela velhice. E se pude fazer algum paralelo com o Brasil, por mais que me esforçasse para lembrar algo de bom na situação do idoso brasileiro, nada encontrei.
Quem não é de São Paulo, já tentou caminhar em suas calçadas? Tudo é em desnível, com buracos, pedras, automóveis estacionados desapropriadamente. Para um idoso ou uma pessoa com deficiência física o caminhar tornar-se quase que impossível.
Também fiquei pensando na amargura que muitos idosos possuem, conseqüentes de distintos fatores; solidão, decepcões, abandono e discriminação pela idade. Sem falar que para muitos, a falta de uma alimentação apropriada e atendimento médico de péssima qualidade aceleram o prognóstico de um breve falecimento.
Toco o sino da bicileta levemente. Uma delas abre caminho para que eu possa passar. Sorrio e elas sorriem. Mútuo agradecimento.

Sergio Godoy

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